sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal em Little Town

O tenente Patrick O’Neill conhecia a cidade como poucos, e muito particularmente a zona conhecida como Little Town, onde fora nascido e criado. Tirando o período em que frequentara a Academia da Polícia, sempre ali vivera.
Conhecia não só a superfície, que os cidadãos bem comportados conhecem, mas também muito do que ocorria nos becos escuros, nas salas das traseiras de bares e locais semelhantes ou em certos salões geralmente considerados acima de toda a suspeita. Durante os séculos dezanove e vinte, Little Town tinha-se expandido quase como um patchwork, um crescimento entre orgânico e anárquico, à medida que vagas sucessivas de imigrantes iam chegando, fugindo da fome ou das perseguições políticas ou religiosas.
Mas O’Neill gostava dos velhos edifícios, conhecia os donos das pequenas lojas, tinha amigos em todas as comunidades que faziam de Little Town aquilo que ela tinha de único.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009


A volta ao dia em 80 mundos

Numa passagem pela FNAC - e sim, o Brinca comigo! está lá à venda, na estante Ficção Científica ;) - acabo de ver A volta ao dia em 80 mundos, de Julio Cortázar - um dos membros da Fantástica Trindade que preside ao meu culto literário pessoal - recentemente publicada pela Cavalo de Ferro.
Quando regressei a casa não pude deixar de ir folhear a edição de bolso do original, comprada em Março de 1974 - quem diria o que ia acontecer um mês depois - pela módica quantia de 84 escudos (os dois volumes!).
Para os leitores de idade menos avançada, 200 escudos <> 1 euro :)
A edição é de 1970, da Siglo XXI de España Editores, S.A., publicada em Madrid, anunciada como "Quinta edición, primera de bolsillo". A primeira edição foi no México em 1967; as três seguintes foram em Buenos Aires, em 1968.
Para informação dos meus amigos bibliófilos - olá Pedro Marques :) - aqui vão também as capas.
É Cortázar no seu melhor, como um festival de fogo de artifício!


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Todos os dias há novidades…

Dois amigos á mesa do café.
“Os filhos são uma carga de trabalhos!”, declara um, antes de levar a chávena aos lábios.
“A quem o dizes”, concorda o outro, mexendo devagar o café. “Olha o meu, já vive fora de casa, ganha o dele, mas vem todos os dias comer a comidinha da mamã, e há dias veio-me dizer que tinha tido umas despesas extra e mais a crise e não sei quê, e se eu lhe podia facilitar – ouviste bem, facilitar! – uns euritos.”
“E quanto?”, perguntei eu.
“Aí uns seiscentos, mas se for quinhentos também serve.”
“É uma pouca-vergonha”, diz o primeiro, “ganham o deles e estão sempre a sacar do nosso. E a crise serve para justificar tudo!”
Um terceiro amigo, chegado no meio da conversa:
“Vivam, ainda não li o jornal, de que Banco é que estão a falar?”

domingo, 6 de dezembro de 2009

A cinza do tempo

No ano em que começou, o Fantasporto (quem se lembra do primeiro Fantasporto ponha o dedo no ar) promoveu um Concurso do Conto Fantástico, de que resultou um livrinho com os 3 premiados e mais uns quantos recomendados pelo júri para publicação. O meu não foi premiado, mas ainda conseguiu uma boleia no referido livro.
Com alguma nostalgia, que sempre se infiltra nestes tempos pré-natalinos/solsticianos, fiz um scan do conto - já não tinha o original, e ainda que o tivesse, seriam umas folhas escritas à máquina - revi com algum trabalho - o OCR nunca é perfeito - e aqui está o dito.
Ainda gosto dele; que querem, a gente continua a gostar dos filhos mesmo depois de eles crescerem...



A cinza do tempo

Encontrei-o na Portugália. Era um fim de tarde de Verão. Eu tinha entrado para uma imperial rápida, ao balcão, uns minutos ao fresco, longe do barulho da Almirante Reis.
O que me chamou a atenção foram os copos vazios. Dois de cerveja e dois pequenos. E quando cheguei ao balcão estava ele a pedir nova dose.
- Mais uma imperial e um bagaço.

Corrupção... Face oculta... Telefonemas... Arguido... Caução... Medidas de coacção...

As palavras no título deste post fazem parte de um projecto de investigação sociológico para determinar o acréscimo de visitas a este blogue resultante da presença das referidas palavras.
Àqueles que vieram ao engano, apresento as minhas sentidas desculpas - ainda não é desta que vão saber o que queriam - mas ficam com a satisfação de ter participado num projecto científico. Quandos os resultados deste projecto derem um artigo numa revista ou uma comunicação a uma conferência, serão referidos, de forma colectiva, na secção "Agradecimentos".

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Toys 'R' here... definitivamente!


Em relação ao assunto dois posts abaixo, o "Das palavras..." está em posição de confirmar que o processo referido foi arquivado.

Tudo se baseava num mal entendido, conforme exarou o juiz de instrução no despacho de arquivamento:
"O responsável pela denúncia - ex-agente da Polícia de Costumes do antigamente - tinha treslido o título, e em vez de Brinca Comigo! tinha lido Trinca Comigo!, o que, dadas as mais óbvias conotações de trincar, comer e verbos quejandos, indiciava um claro atentado à moral e aos bons costumes. Ainda por cima com brinquedos!"
Desfeito o equívoco, os arguidos foram enviados em paz pelo juiz de instrução, com autorização expressa para continuação de brincadeiras.
"Ora", diz ainda o despacho, "na fase sorumbática, depressiva e tensa que a sociedade portuguesa atravessa, brincar é uma actividade relaxante e que favorece a boa disposição, pelo que é conducente à harmonia social."
Faz também parte do despacho uma admoestação por excesso de zelo ao zeloso ex-funcionário, que foi condenado a pagar as custas do processo.
A decisão foi acolhida com júbilo pelos arguidos, que na altura em que foram contactados assinavam livros no intervalo das Conversas Imaginárias.
Miguel Neto, o instigador da acção que deu origem a este equívoco judicial, aproveitou para informar que este convite à brincadeira se encontra à venda na EfeEneACê e "noutras boas livrarias perto de si", mas que se tiverem dificuldade em encontrar podem sempre aceder ao site da editora Escrit'orio.

E brinquem muito, porque Janeiro está aí não tarda e depois vem logo a declaração do IRS para preencher...

domingo, 29 de novembro de 2009

Um salto para

a outra margem do Atlântico, foi o que deu o meu conto Noosfera, publicado originalmente em 2007 no nº 1 do e-zine NOVA(*), e agora no site Contos Fantásticos, onde ficou também em muito boa companhia.
Um agradecimento ao Afonso Pereira, administrador do site.



(*) Quem não conhece os 3 números que saíram do NOVA, aproveite para os descarregar daqui, porque o site vai ser desactivado.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Toys 'R' here...

(versão revista)

O "Das palavras..." soube, de fonte segura, que na próxima semana, estará nas livrarias uma nova antologia com contos com (sobre) brinquedos, mais ou menos apropriados à época natalina que se aproxima, conforme as atmosferas mais ou menos fantásticas em que se desenrolam.
O nome do objecto é Brinca Comigo! e outras estórias fantásticas com brinquedos, segundo fonte ligada ao processo.
Soubemos ainda que foram constituídos arguidos David Soares, João Barreiros, João Ventura e Luís Filipe Silva, alegados autores da obra. É também arguida a Editora Escrit'orio, que alegadamente coordenou as acções agora passíveis de julgamento.
Os meios jurídico-literários verificaram, com alguma surpresa, que entre as medidas de coacção fixadas aos arguidos não se inclui a proibição de contactarem entre si.


Da produção de prova consta a capa da referida antologia, a que o "Das palavras..." teve acesso e que acima se reproduz (clicar para ampliar). Nela aparecem os nomes dos arguidos, de forma impossível de refutar.
Se depois de verem o corpo do delito quiserem comentar aqui, estão no vosso direito.

domingo, 8 de novembro de 2009

Elementar, meu caro Watson…

“Repare, sargento, na posição em que ficou o corpo” – disse o tenente Hawk, as mãos enfiadas nos bolsos da gabardina, mascando um charuto barato. À primeira vista poderia ser confundido com o tenente Columbo, mas não era ele. De facto, tinham sido colegas na Academia da Polícia, e uma das origens da úlcera gástrica do tenente Hawk era o facto de nunca ter sido o melhor da classe; tinha sido sempre o segundo, depois de Columbo.
E agora ali estava, muitos anos depois, com um novo crime entre mãos. E na própria esquadra da Polícia! Começou a imaginar a primeira página dos jornais do dia seguinte, mas o seu cérebro treinado logo se voltou para o problema que tinha à sua frente.
Ao seu lado, o sargento O’Hara bebia-lhe as palavras. Sim, porque a capacidade do tenente Hawk como investigador era conhecida em toda a corporação.
Os pés em cima da secretária, o tenente Robin parecia dormir, não fosse a mancha escura na camisa, no lado esquerdo do peito, em volta do orifício feito pela bala. No chão, um processo que ele provavelmente estava a ler na altura em que foi morto.
“Tão próximo da promoção (segundo toda a gente dizia) e agora tão longe”, pensou filosoficamente o tenente Hawk, enquanto o fotógrafo batia chapa atrás de chapa.
“Sargento, isto prova que o assassino era alguém que ele conhecia, uma vez que se deixou ficar sentado desta maneira descontraída quando o assassino entrou no gabinete.”
“O médico legista situa a morte entre as onze e meia e a meia noite e meia, tenente”, disse o sargento, consultando um livrinho de apontamentos.
“Isso bate certo, sargento”, respondeu Hawk. “E mais; teve que ser alguém da casa, para poder estar no edifício a essa hora.”
“Um membro da corporação, tenente?”, perguntou O’Hara, incrédulo.
“Sargento, a lógica leva-nos a essa conclusão. E um bom investigador nunca deixa os seus preconceitos interferir com a lógica do seu raciocínio.”
“Mas por que razão, tenente?”
“Boa pergunta, sargento. O que nos falta é o motivo. Quando o descobrirmos, temos o nosso homem. Roubo? A carteira dele estava na gaveta da secretária e não foi mexida. Saias? Robin tinha uma vida familiar estável e um comportamento moral irrepreensível. Motivos profissionais? Alguém que se sentisse ultrapassado porque, segundo se dizia, Robin era o favorito do superintendente e seria o próximo a ser promovido? Alguém que durante toda a vida foi sempre o segundo, e que sentia que mais uma vez isso lhe ia acontecer?”
O sargento O’Hara olhou para o tenente Hawk, de boca aberta, sem conseguir articular palavra.
“Vê, sargento, como a lógica dos factos se impõe? E agora, recordo-lhe o artigo 32º do Regulamento: Um membro da Corporação não pode dar voz de prisão a um superior a não ser em flagrante delito. Portanto o melhor é ir chamar o capitão.”
O sargento ficou uns instantes indeciso, até que saiu a correr.
“Sempre foste um dos melhores investigadores; muito melhor polícia do que criminoso!” murmurou o tenente Hawk para consigo próprio. Olhou em volta, lentamente, e recitou a meia voz:
“Artigo 23º - Um oficial da Polícia deve defender o bom nome da Corporação, mesmo com o sacrifício da própria vida.”
Tirou do coldre o revólver, encostou-o à cabeça e premiu o gatilho.


Este texto foi enviado para um concurso intitulado "Testemunha de um crime", promovido pelo Cinema Quarteto, em data indeterminada.

sábado, 5 de setembro de 2009

A escrita infinita

O homem sentado num sofá no lobby do Hotel Blau Varadero observa minuciosamente os clientes que entram e saem, os que se dirigem à recepção, os que estão simplesmente sentados à espera do autocarro que os levará ao aeroporto, enquanto escreve, num pequeno caderno de capa preta, histórias sobre as pessoas que observa. Inventa-lhes uma vida, relações, motivações, trajectórias…
No balcão do primeiro andar, um outro homem observa o homem que escreve, e por sua vez escreve uma história em que o primeiro escritor aparece como personagem…
E há um rumor de que esta situação se prolonga, isto é, que em cada andar existe um escritor que escreve uma história sobre o escritor do andar abaixo, havendo mesmo um grupo extremista que defende que “são sempre escritores por aí acima…”
Um argentino garantiu-me que tinha visto Cortázar e Borges, sentados a uma mesa no Piano Bar do hotel, tentando cada um deles escrever uma história mais fantástica que a do outro enquanto alguém, no piano de cauda, martelava um tango...
E entretanto, no último piso do hotel, lá onde as trepadeiras abandonam os seus ramos à gravidade, Calvino, os cotovelos apoiados sobre o balcão, elabora cuidadosamente uma nova teoria sobre escritores que escrevem sobre escritores em hotéis das Caraíbas…

Fragmento final

de uma obra de fantasia épica, escrito numa folha de um bloco de apontamentos, encontrada pelo pessoal de limpeza após a Convenção Fantástica realizada no Ghost Theater, em NoWhere.
Será entregue a quem provar pertencer-lhe.

Viram aparecer o próprio Sham-El disfarçado de esteticista, que convenceu as forças do mal – todos feios de morrer – que um banho de lama lhes tiraria a feiura e faria da sua pele coriácea uma cútis translucente. Não resistindo à lábia de Sham-El – melhor que um canal de tele-vendas – todos os feiosos mergulharam na lama. Um súbito clarão fez a lama em pedra e assim terminou outro capítulo da eterna luta do Bem contra o Mal.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O grande artista

António Cerdeiro estava representado nos mais prestigiados museus do mundo. Em qualquer leilão, as suas obras atingiam cotações elevadíssimas.
Quando Cerdeiro fez 60 anos, a Junta de Freguesia da aldeia onde nasceu colocou uma placa comemorativa na parede da casa onde pela primeira vez viu a luz. A cerimónia contou com a presença das autoridades civis, militares e eclesiásticas e muito povo.
Nessa noite a D. Felícia, sua antiga professora primária, já um pouco tolhida pelo reumatismo mas ainda perfeitamente lúcida, assistiu a um programa de televisão sobre o grande artista onde foram mencionados os preços atingidos por alguns dos seus quadros. Lembrou-se então de que guardava um caderno com desenhos feitos pelo António Cerdeiro quando com ela aprendera as primeiras letras.
Desencantado o caderno de folhas já amarelecidas no fundo de um baú, fez um telefonema ao seu sobrinho advogado, que ao fim de uma semana tinha arranjado um comprador entre os representantes de vários museus que prontamente acorreram para tentar a todo o custo conseguir o caderno.
Quando teve conhecimento de quanto a D. Felícia tinha ganho com o caderno cheio de rabiscos, José Pirisco, padrinho de António Cerdeiro, ficou a matutar; aqueles riscos gravados na parede da sua cozinha haviam também de valer uma boa maquia. Falou com o pedreiro local que logo o desiludiu: não era possível desmanchar a parede sem estragar totalmente os desenhos.
Mas Pirisco não era homem para desistir à primeira dificuldade. Colocou uns projectores para melhorar a visibilidade dos sulcos, imprimiu uns folhetos com alguns pormenores - na maioria inventados - sobre a infância de António Cerdeiro e abriu a sua casa a visitas pagas.
Com os visitantes em semi-círculo observando as gravuras, José Pirisco fornece mais alguma informação, avidamente absorvida por todos. Só há um pormenor que Pirisco cuidadosamente omite: o par de estalos que deu ao afilhado quando numa certa tarde invernosa o apanhou a riscar a parede da cozinha com um prego ferrugento!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Envelhecer

As rugas são
as impressões digitais do rosto.

Uma face sem rugas é
como alguém que tivesse perdido
o bilhete de identidade...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

"Onde os Últimos Pássaros Cantaram" (4)

4ª Semana - 04.07.2009

O desafio da 4ª semana era o menos restritivo de todos. Convidava-se os leitores a inspirados, pelo título da obra de Kate Wilhelm, Onde os Últimos Pássaros Cantaram, apresentarem um conto, uma peça, um excerto, uma situação, que pudesse ser descrita (literal ou figurativamente) por essa frase, num máximo (não limitativo) de 500 palavras. E também deveria estar relacionado de alguma forma com o género fantástico.


E a minha história foi esta:

O Fim (Onde os Últimos Pássaros Cantaram)


Reclinado na sua poltrona ajustável, o construtor de pássaros ouvia, deliciado, o rouxinol. Era a última criação que tinha saído das suas mãos, o movimento reproduzindo fielmente os filmes 3-D que tinha recuperado dos arquivos do Universal Geographic, os sons reconstruídos a partir da fonoteca de um ornitólogo há muito falecido.
Levantou a mão e a ave voou do poleiro onde estava até pousar no seu dedo indicador. Com a outra mão, acariciou-lhe as penas da cabeça e depois de uns segundos, fê-la voar de volta ao poleiro.
No outro extremo da sala os periquitos brincavam na gaiola, enquanto o papagaio se pendurava do poleiro, de cabeça para baixo, emitindo sons roucos.
Todas estas aves constituíam o produto mais sofisticado da ciência robótica e tinham sido fabricadas por ele, provavelmente o último investigador desta área do conhecimento ainda vivo.
O homem suspirou profundamente, ligou um projector e na parede começou a passar um filme com luxuriantes paisagens de florestas tropicais, uma explosão de vida colorida, vegetação, aves, mamíferos, o mundo vivo em todo o seu esplendor.
Comandou a poltrona para uma massagem relaxante e foi lentamente deslizando para um sono tranquilo, enquanto os seus olhos se fechavam sobre imagens da Amazónia...

--oOo--

O que despertou o construtor de pássaros foi o silêncio. Levantou-se de um salto. O rouxinol estava caído no chão, imóvel. Os periquitos no chão da gaiola. O papagaio, suspenso da corrente que o prendia ao poleiro, rodava lentamente na corrente de ar causada pelos ventiladores.
Colocou o rouxinol na gaveta do analisador multi-funções, executou uma tomografia e passou depois a utilizar a nanosonda até as suas dúvidas se dissiparem completamente: um vírus inorgânico tinha entrado na casa.
Desenvolvidos por militares para a desactivação de equipamento inimigo, o que era conseguido através da destruição de ligações atómicas nos materiais de que esse equipamento era feito, tinham a dada altura escapado ao controlo do laboratório que os produzia.
E a protecção dada pelos nanofiltros que blindavam a casa tinha-se revelado uma ficção.

--oOo--

O construtor de pássaros accionou as janelas da casa. Várias zonas da parede ficaram transparentes, e ele olhou longamente o exterior. Construída no alto de uma colina outrora arborizada, todo o terreno em volta estava agora seco, calcinado, e um vento persistente fazia rolar nuvens de poeira. Ao longe distinguia-se a auto-estrada, ainda cheia com as carcaças dos carros que lá tinham ficado quando o vírus inorgânico se tinha espalhado.
O homem tornou novamente as paredes opacas, foi ao painel de comando da casa e desactivou os nanofiltros. A casa exigiu-lhe duas vezes a password antes de executar a ordem.
Sentou-se na poltrona, imaginando a sopa química e bacteriológica que era a atmosfera exterior a entrar lentamente na casa. Ligou novamente o filme que vira na noite anterior. E enquanto observava um bando de macacos saltando de ramo em ramo numa floresta do Bornéu, pensava que, se o processo se arrastasse muito, a poltrona tinha um kit de ajuda ao suicídio que podia ser utilizado em qualquer momento.

"Onde os Últimos Pássaros Cantaram" (3)

3ª Semana - 27.06.2009

O desafio da 3ª semana consistiu na descrição de uma cena de conflito entre dois grupos de clones distintos. Este conflito podia assumir uma qualquer natureza, desde a bélica assumida até à emocional, e portanto os grupos de clones podiam ser exércitos, familiares, vizinhos... Os clones são telepatas e conseguem comunicar (não necessariamente de forma verbal) sem usar a fala, mas cada conjunto de clones apenas consegue falar com o seu. A intenção literária era de espelhar o conflito entre dois seres - dois indivíduos - multiplicado pelos vários em que se divide.
Contudo, sugerimos uma dificuldade acrescida (que desta vez era opcional): imaginar que descreviam esta cena como se decorresse num palco ou num ecrã. Uma cena sem falas, apenas com actos, gestos, olhares, expressões. Embora um diálogo vivo ocorra na mente de todos aqueles seres, nós, como espectadores, apenas observamos o resultado. Talvez não seja possivel compreender a razão do conflito. Talvez não seja possível determinar um vencedor. Mas haverá contendas, drama, vitórias, um fluxo dramático - será possível tirar-se dali uma história, como afinal se os clones fossem animais e nós assistissemos a um documentário sobre a Natureza.

E esta foi a minha resposta:

O Dia da Comunidade

O enorme Pavilhão Alpha encontrava-se repleto. Aquele evento, repetido anualmente, comemorava o início da Comunidade Alpha.
Uma onda telepática percorreu a audiência, aumentando de intensidade quando o palco, no centro do enorme recinto, ficou subitamente inundado de luz.
A atenção de todos concentrou-se na zona iluminada, embora todos já conhecessem a acção que ali se iria desenrolar.
Quatro grupos de clones com características fisionómicas perfeitamente distintas, ocupavam o palco: os alpha, brancos, louros, quase albinos; os black, pele escura, cabelo encaracolado, que dois séculos antes se designariam como de etnia africana; os china, olhos amendoados, cabelo preto e liso, de pequena estatura, e os blend, todos iguais entre si, como clones que eram, mas com características resultantes de uma mistura genética efectuada sobre as populações originais antes da clonagem. Exceptuando os alpha, os outros eram produzidos especialmente para aquele evento.
O som de um tambor começou a ouvir-se, primeiro em surdina, depois cada vez mais forte, e um ambiente de tensão surge e cresce, centrado no palco. Uma situação de conflito nasce entre os quatro grupos, que se agudiza e atenua entre eles de forma quase aleatória, como se alianças se formassem e desfizessem. A postura dos actores torna-se mais ameaçadora e subitamente o grupo dos blend sofre um ataque conjunto dos outros três. alpha, black e china envolvem os blend e começam a agredi-los a soco e pontapé. Durante uns minutos é uma confusão no palco, e quando os três grupos se afastam, no meio do palco só estão os corpos dos blend, em monte, muitos deles em posições distorcidas. Soa uma buzina e entra no palco uma brigada de de robôs de limpeza que deitam os corpos para um contentor que trouxeram e a seguir saem do palco com a sua carga macabra.
Novamente o tambor em crescendo, misturado agora com instrumentos de cordas, o som agressivo dos violinos e violoncelos quase arranhando a coluna vertebral. É o prelúdio para uma nova batalha no palco, mas agora são os alpha e os china contra os black, e já são utilizadas armas brancas, e quando o conflito termina são só corpos escuros no centro do palco, e chegam novamente os robôs da limpeza que levam os corpos e lavam o piso do sangue derramado.
Terceiro e último acto: tambores e metais, a sonoridade das trompas, dos trombones e trompetes cria uma atmosfera apoteótica de conflito final. A guerra é agora entre os alpha e os china, mas é uma confrontação mais sofisticada, embora não menos letal. Os dois grupos enfrentam-se enviando projecções mentais agressivas, e pouco a pouco os china cedem e um a um, vão caindo no chão onde ficam imóveis.
A música atinge o climax, e enquanto os robôs vêm de novo proceder à limpeza, os actores alpha saem do palco saem do palco e misturam-se com a audiência que nesta altura vibra, aplaude, grita, é uma euforia colectiva.
Alpha 13274, um dos espectadores, enquanto aplaude como todos os outros, passeia os olhos pelos milhares de faces, todas iguais à sua, a mesma pele branca, o mesmo cabelo louro, e num pequeno canto da sua mente surge uma dúvida, insidiosa, subversiva, que ele rapidamente afasta do campo da consciência, porque numa sociedade de telepatas nunca se sabe se (quando) alguém nos está a ler: «Não seria possível ter sido de outra forma? Não teria sido possível a evolução na coexistência pacífica das diversas espécies clonadas?»
A história que lhe ensinaram diz-lhe que não, que a supremacia dos alpha tinha que resultar na eliminação dos outros, mas aquela dúvida não morre, e tende a aparecer nas situações mais inconvenientes...

domingo, 12 de julho de 2009

"Onde os Últimos Pássaros Cantaram" (2)


2ª Semana - 16.06.2009

Um dos temas recorrentes em Onde Os Últimos Pássaros Cantaram é o da clonagem. Os membros do clã familiar Sumner, cuja história forma a base do romance, criam gerações atrás de gerações de cópias de si mesmos como forma de lutar contra a perda de fertilidade humana. Os clones estão tão próximos uns dos outros que desenvolvem uma empatia quase telepática, estabelecendo uma sociedade aparte, valorizando o colectivo e não o indivíduo. Os clones entram em pânico quando se encontram sozinhos por demasiado tempo. Por fim, apercebemo-nos que os clones não partilham o interesse do resto da humanidade em voltarem a reproduzir-se sexualmente, preferindo continuar o processo de clonagem até ao fim dos tempos.

O desafio para a segunda semana do passatempo Kate Wilhelm consistia em, com o limite de 250 palavras, descrever uma situação, apresentar uma cena, estabelecer uma história que inclua este confronto entre o individuo e o social, tendo a clonagem por base. E por sabermos que os nossos leitores gostam de desafios exigentes, acrescentámos a seguinte condição: o texto deveria ter uma veia humorística.


E o meu texto foi este (e foi com ele que ganhei o livro...):

A Tecnologia Nunca É Perfeita...

Magalhães 123 – clone nº 123 obtido a partir das células de um humano longínquo chamado Magalhães – não estava satisfeito. Estava de facto muito insatisfeito. A ideia de haver 255 outros indivíduos iguais a si era-lhe insuportável, obscena mesmo.
Magalhães 123 especializou-se em robótica, construiu uma empresa de produção de robots domésticos que foram um tremendo sucesso comercial. Mas em paralelo, no laboratório secreto na cave da sua casa, ia criando a sua opus magnum – o robot executor E666.
Tinha pensado que ultrapassar as leis de Asimov seria o mais complicado, mas o processo tinha-se afinal revelado infantilmente simples. O resto do trabalho foi fácil tendo em vista os objectivos principais que o robot teria de atingir: simplicidade e eficácia. Receber uma lista de indivíduos a abater e executar o trabalho rapidamente, minimizando danos próprios.
E666 era a mais perfeita máquina de matar alguma vez desenvolvida: aplicação de toxinas mortais sob diversas formas, armas brancas dos mais diferentes tipos, explosivos, armas lasers, E666 podia matar usando qualquer processo alguma vez utilizado na história da humanidade e mais alguns originais.
Quando a série Magalhães começou a ser dizimada, elemento a elemento, a polícia ficou confusa, e os crimes foram continuando. O único sobrevivente da matança foi Magalhães 132, que nunca soube a que devia a sorte que teve.
Magalhães 123 tinha fornecido ao robot, uma a uma, as identificações dos alvos a abater. Mas o inventor do E666 tinha – sem ter consciência disso – um pequeno defeito: era (levemente) disléxico.

"Onde os Últimos Pássaros Cantaram" (1)

Luis Filipe Silva levou a efeito no Tecnofantasia um passatempo (detesto este nome, mas isso não vem agora ao caso) baseado no livro Onde os Último Pássaros Cantaram, de Kate Wilhelm. Em cada uma de 4 semanas publicou as condições dos textos que poderiam ser submetidos, e em cada semana o melhor texto recebeu um exemplar do livro referido, oferta da Gailivro, que patrocinou a iniciativa.
Vou colocar aqui os textos com que respondi a estes desafios, tal qual os submeti, resistindo à
tentação de os rever.

E assim vamos à

1ª Semana - 06.06.2009

Em 250 palavras ou menos, os participantes tinham de descrever o impacto na sociedade, contar
uma história breve, inventar uma situação anedótica/trágica, a respeito do seguinte tema:
Uma ameaça que tem pairado nas últimas décadas tem sido a do desaparecimento das reservas de petróleo e gás natural que alimentam a nossa tecnologia e sociedade. Isto porque, apesar de todo o progresso da nossa espécie, ainda não encontrámos uma fonte energética mais eficaz do que a primeira que aprendemos, há muitos e muitos anos a dominar: a combinação do oxigénio com o carbono, ou seja, o fogo. E sempre tivemos receio de ficar sem carbono suficiente para queimar.
Mas... e se for o contrário? E se o planeta passar por uma quebra significativa da produção de
oxigénio? E se o filoplâncton começar a deaparecer em grande volume dos nossos oceanos? E se o
ar que respiramos se tornar demasiado precioso para alimentar a combustão (inclusive porque a
tornaria mais difícil)?

Poderemos viver sem o nível existente de combustão mundial? Podemos encontrar formas
alternativas e eficientes de energia? Podemos adaptar a nossa existência a esta dificuldade
inesperada?

E a minha resposta foi:

Os malefícios da hiperespecialização

Era o superterrorista, animado de um ódio de morte contra a civilização tal como a conhecemos. E viu que essa civilização estava viciada em energia, pelo que a forma definitiva de a quebrar estava em cortar o fornecimento dessa energia.
Era além disso um génio da química. Com fundos provenientes de múltiplas lavagens de dinheiro, no seu laboratório secreto desenvolveu uma substância extremamente ávida de oxigénio, várias ordens de grandeza acima do que se conhecia.
Achou que no dia da inauguração da nova central térmica seria a altura apropriada para uma acção exemplar que seria a primeira de muitas que se seguiriam.
Infiltrado entre os jornalistas que iam cobrir o evento, a sua máquina fotográfica era afinal o aparelho que, uma vez activado, iria absorver o oxigénio existente no local, desta forma impedindo os queimadores de funcionar, a caldeira de produzir vapor e os alternadores de injectar a preciosa energia na rede eléctrica.
Quando accionou o seu dispositivo, o teor de oxigénio existente na atmosfera da central começou a baixar, primeiro lentamente, depois mais acentuadamente. Quando atingiu os 18 por cento, houve pessoas que começaram com tonturas, outras a desmaiar, e o fenómeno foi-se ampliando. Quando ele próprio sentiu a sua consciência a desaparecer, pensou que não devia ter estado distraído naquela aula de biologia onde lhe parecia (agora) que o professor tinha dito que um teor de oxigénio abaixo de 15% faria perder a consciência e acarretaria a morte a curto prazo.
E enquanto no imenso hall da central se acumulavam os corpos - os funcionários da central, as autoridades vindas para a inauguração, os jornalistas - os queimadores da central continuavam alegremente a funcionar, produzindo mais fumo do que habitualmente, porque com a deficiência de oxigénio a combustão era agora mais rica, o que, como se sabe, implica em geral maior produção de fuligem.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

R.I.P. (mas não completamente...)


Foi O FIM


Os meus agradecimentos aos editores que transportaram esta Minguante ao longo de 15 números. E se ressuscitar, avisem!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Amores trágicos (2)

O Arquitecto amava a cidade. Ela tinha nascido na sua cabeça; os primeiros esboços tinham surgido no monitor do seu computador; os planos de pormenor foram produzidos no seu atelier, e quando os primeiros edifícios começaram a romper dos alicerces entretanto abertos, o Arquitecto era visita frequente do gigantesco estaleiro onde milhares de operários trabalhavam 24 horas por dia, fazendo nascer a cidade que ele tinha imaginado.
Nos primeiros anos tinha sido um amor correspondido. Quando percorria as longas avenidas arborizadas, quando deambulava pelas praças cheias de sol, quando as pessoas se cruzavam com ele e o cumprimentavam afavelmente, ele sentia-se amado pela cidade.
Mas com o passar dos anos, começou a sentir que esse amor estava a deixar de ser correspondido. A profunda alteração de uma praça para alojar um descomunal hipermercado, o abate das árvores para instalar faixas de rodagem numa avenida outrora pedonal, algumas propostas suas sobre a gestão do espaço urbano rejeitadas no Conselho Municipal, críticas cada vez menos veladas nos meios de informação às suas concepções arquitectónicas e urbanistas...
Até que surgiu a gota que fez transbordar a taça: contra o seu parecer fundamentado, o Conselho Municipal tinha aprovado uma proposta de construção de uma nova urbanização periférica. O autor da proposta era desde há muito seu feroz opositor na Guilda dos Arquitectos, e a urbanização projectada em estilo neo-moderno iria ser esteticamente revoltante ao lado de uma cidade concebida e construída segundo os cânones do estilo medievo renovado.
O Arquitecto soube que tinha atingido o ponto de não retorno. A cidade, que tinha sido o amor da sua vida, tinha-o traído. Mas ele iria castigar essa traição.
Conhecia de cor as galerias técnicas que, como um sistema vascular, percorriam o subsolo da cidade, abaixo dos túneis de transporte rápido. Como chefe dos serviços de urbanismo, que ainda era, tinha também acesso ao paiol onde estavam guardados os explosivos de alta potência utilizados nas grandes obras de construção. Enquanto a nova urbanização ia sendo construída, ele foi pacientemente minando as fundações de todos os edifícios da sua cidade, começando pelos mais importantes, a sede do município, o grande salão de reuniões, a universidade, as escolas, o hospital...
E a meio da inauguração da nova urbanização, uma série de fortes explosões sacudiu a cidade. O colapso dos edifícios levantou uma enorme nuvem de poeira; e quando o pó assentou, sobre os escombros do que antes tinha sido a cidade ouviam-se as gargalhadas do Arquitecto, enlouquecido após assassinar a sua amada...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Amores trágicos (1)

Aquele biólogo amava as bactérias. Sentia uma atracção irresistível por aqueles pequeninos seres e pelo seu incessante movimento, que observava com prazer horas e horas ao microscópio, bem como a taxa exponencial com que se reproduziam.
Mesmo o facto de algumas delas serem letais para organismos mais complexos não atenuava o amor intenso que sentia por elas. Pelo contrário. Principalmente aquelas que se encontravam na solução cujo período de maturação tinha terminado havia pouco.
Despejou o conteúdo do reactor para um tubo de ensaio. Tinham sido meses de trabalho, partindo de bactérias de agressividade moderada, manipulando cuidadosamente os DNAs, eliminando sem remorsos todas as variantes inúteis para o fim em vista, até chegar àquela estirpe, a arma bacteriológica mais eficiente até então desenvolvida.
Amava-as profundamente, e só tinha pena que elas não pudessem corresponder a esse amor.
Olhou o tubo à transparência. Quem diria que naqueles poucos centímetros cúbicos de líquido residia a capacidade de aniquilar um exército. E eram suas filhas, tinham sido produzidas pelo seu trabalho, não iria deixar que lhas tirassem! Levou o tubo à boca e engoliu o líquido que continha até à última gota.

-- o --

Ficou 3 dias em isolamento total nos Cuidados Intensivos, e durante esse tempo as bactérias destruíram meticulosamente toda a sua rede nervosa, até atingirem o cérebro.
“O grau mais elevado do amor não correspondido é o sacrifício supremo”, foi o seu último pensamento, no momento em que a linha verde pulsatória no monitor à cabeceira passou subitamente a horizontal, e o alarme começou a tocar no gabinete do enfermeiro de serviço.

-- o --

“Entendamo-nos, doutor, é preciso ser um bocado anormal para trabalhar no desenvolvimento de armas bacteriológicas”, dizia o general director do laboratório ao chefe do Serviço de Patologia do hospital. “Mas o nosso biólogo passou-se das marcas... Calcule que se apaixonou pelas bactérias! Felizmente foi fácil recuperar todo o trabalho do computador dele. Nem sequer tinha password, calcule! Bem dizem que o amor é cego...”
E o general riu-se, um riso militar e satisfeito.


Este texto e o que se segue foram escritos para uma antologia de nome "Amores diferentes", a ser editada na Argentina pelo Sergio Vel Hartman, projecto que parece estar adormecido...

quarta-feira, 18 de março de 2009

Se tivesse olhos, choraria...

Quando mergulho no passado, o que a memória agarra mais facilmente são os acontecimentos desportivos. E são esses, melhor, são aqueles que ganhei que me dá prazer recordar, uma e outra vez, como um videoclip em loop, os aplausos do público, o surto de adrenalina…

O gimnopediatra foi muito claro para os meus pais: “Señores Gonzalez, tendes aqui um futuro campeão. A estrutura óssea é perfeita, a massa muscular apresenta um potencial como raramente tenho observado, o sistema endócrino está preparado para o arranque, os órgãos principais são impecáveis. Todos os exames e análises que realizámos deram os melhores resultados possíveis. Se a sua carreira for cuidadosamente gerida, poderá trazer-vos muitas alegrias… e não menos proveitos.” E aqui o médico esboçou um sorriso cúmplice.

Ao longo do ensino básico, fui praticando todas as modalidades existentes na escola. Era tão bom nos desportos de equipa como nas disciplinas individuais.
No 3º ano do secundário, os meus pais, seguindo as indicações do conselheiro desportivo, inventaram uma doença – um vírus que eu supostamente teria apanhado nas férias numa viagem ao interior do país – que me fez faltar às aulas até perder o ano. No ano lectivo seguinte, integrado numa turma em que os meus colegas eram em média um ano mais novos, fisicamente eu chamava a atenção: fui capitão das equipas de basquetebol e de futebol, ganhei todos os campeonatos internos e inter-escolares de atletismo e natação.
A meio da escola secundária já os olheiros enviados à pesca de novos talentos pelas universidades desportivas de topo me tinham descoberto, e tínhamos recebido várias propostas de bolsas de estudo. A escolha foi bastante demorada, mas terminada a escola secundária lá fui eu para a New Atlantis University.

Era o ano 2035, quando o Comité Desportivo Universal decidiu abolir as proibições ainda em vigor sobre a utilização de produtos químicos ou dispositivos mecânicos ou electrónicos para melhorar os resultados desportivos.
A eliminação do amadorismo, os valores astronómicos relativos às transmissões de televisão, ao merchandizing e à publicidade envolvendo os atletas tinham levado a que a construção de uma carreira desportiva passasse a ser um assunto conduzido por especialistas.

Foi duro, mesmo muito duro. A partir do momento em que atravessei o Portão do Caloiro, deixei de ter qualquer poder de decisão sobre os mínimos aspectos da minha vida. Com base numa cláusula relativamente vaga do contrato, “A Universidade terá direito ao controlo sobre todos os factores que possam afectar o desempenho desportivo do Segundo Contratante”, eles passaram a controlar as minhas horas de levantar e deitar, tudo o que eu comia e bebia às refeições e fora delas, as aulas a que ia e as horas de estudo, as namoradas, e os treinos, os treinos, sempre os treinos, a pressão constante para fazer melhor, mais longe, mail alto, em menos tempo… Vivíamos – todos os estudantes desportistas de alta competição – numa residência separada dos estudantes “normais”, e a nossa vida era controlada por uma comissão a quem a Universidade tinha confiado a tarefa de rentabilizar o investimento que tinha feito com as nossas contratações. Alguns não aguentaram a pressão: houve três desistências – que ficaram a indemnizar a Universidade por muitos anos – e dois suicídios. Neste caso foram os pais que ficaram a pagar, naturalmente.

Até que esse investimento começou a pagar dividendos.

Os sonhos são frequentes. Não sei se são induzidos pela sopa química que me circula nas veias ou um produto directo dos meus neurónios cansados. Chegam sem aviso, e por vezes tenho dificuldade em distingui-los da realidade. Mas fará muito sentido a distinção entre sonho e realidade no estado em que me encontro?
Acabo de sonhar com o dia em que ganhei o campeonato mundial dos 10000 metros, depois de no dia anterior ter ganho o dos 5000. Foi a demonstração irrefutável de que os órgãos artificiais tinham ganho um lugar definitivo no mundo desportivo; o coração que substituíra aquele com que eu nascera tinha trabalhado a 300 batidas por minuto durante ambas as corridas, e os novos nano implantes pulmonares tinham sido capazes de aumentar mais de duas vezes e meia a taxa de oxigenação do sangue.
O público ficou em delírio, tinham sido batidos dois recordes, e por uma margem de quase 15 por cento.

Ao serviço da Universidade ganhei praticamente todas as competições em que entrei. Tinha que dar tudo por tudo, porque as intervenções cirúrgicas para os upgrades que ia fazendo custavam fortunas, e a forma de as pagar era com os prémios recebidos. Até que chegou o dia em que consegui saldar a minha dívida para com a Universidade, e chegar ao objectivo principal de qualquer desportista: iniciar uma carreira como independente.
Mas foram necessários treinadores, uma equipa técnica, uma equipa médica, um manager... Fiz o mesmo que todos: contraí um empréstimo na Sports Insurance Inc, dando como garantia uma hipoteca sobre os meus upgrades.

A época dos Olímpicos é a pior. A televisão por cima da cama transmite ininterruptamente provas desportivas, varrer os canais não traz nada de novo, todos eles transmitem mais do mesmo, e de vez em quando apanho transmissões de arquivo de uma das minhas derrotas, o que me deixa ainda mais deprimido do que habitualmente estou. E aí, o monitor da composição química do meu sangue detecta a alteração do padrão hormonal e injecta uns miligramas de anti-depressivo. E eu fico meio zombie, a olhar para mim no 2º ou 3º lugar do pódio, como se se tratasse de outra pessoa...

O início da minha carreira independente continuou a trajectória ascendente iniciada na Universidade. Mas a indústria médica todos os anos aparecia com órgãos mais perfeitos, próteses mais eficientes, e ou se continuava a escalada dos upgrades, ou se parava de ganhar provas.

Os olhos com que vejo a TV já não são também aqueles com que nasci. A dada altura, para melhorar os meus reflexos no full contact fiz um upgrade onde os cirurgiões eliminaram o ponto cego da retina e melhoraram a visão periférica. Quando comecei a perder competições e falhei o pagamento da hipoteca, foi uma das primeiras coisas que me tiraram, os meus olhos. E hoje vejo através de uma câmara CCD cujo sinal é injectado directamente no meu nervo óptico.

Para a prática dos desportos marciais, os meus ossos foram submetidos a um processo de difusão de nano partículas de titânio e nanotubos de carbono, tornando-os mais resistentes ao choque e ao mesmo tempo mais flexíveis. Quando a hipoteca foi executada, fui levado para uma clínica onde durante algumas semanas aqueles componentes foram extraídos do meu organismo por difusão inversa, deixando o meu esqueleto num estado de fragilidade extrema, osteoporose em fase terminal.

Estava escrito no contrato, mas nós pensamos que vamos conseguir estar sempre com os pagamentos em dia. Até um dia...

Já por vezes me tinha questionado sobre o que acontecera a certos atletas que tinham ganho muitas competições, depois passado por uma fase de segundos e terceiros lugares, e de repente desaparecido de campeonatos e provas, dos jornais e TV. Agora já sei. Fiquei a saber quando dois enfermeiros fizeram rolar a minha cama, com o sistema de suporte de vida acoplado, ao longo daquela enorme enfermaria, até ao lugar que me estava destinado.
Passei por uma cama onde estava Jack Steel, que foi recordista da maratona olímpica durante 10 anos seguidos. E outra com Ray Hoyle, campeão do decatlo, eleito desportista do ano em 5 anos consecutivos. E outro, e mais outro, aquela enfermaria daria para encher um Hall of Fame do desporto mundial.
Como é que dizia o contrato que assinei – que provavelmente todos assinámos – com a Sports Insurance Inc.?
“O Primeiro Contratante obriga-se a envidar todos os esforços para manter vivo o Segundo Contratante.”
E estou seguro que eles cumprirão escrupulosamente esta cláusula.

Se tivesse olhos, choraria.

sexta-feira, 13 de março de 2009

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Transparência

O candidato a deputado tinha uma vida exemplar. Marido fiel, pai extremoso, actividade profissional acima de qualquer crítica...
“Mas esse é o problema!”, dizia o director de campanha.
“O problema é eu ter uma vida irrepreensível?” perguntou o candidato, incrédulo.
“Claro, os eleitores gostam de votar em quem sentem que é como eles. Quem é que nunca deu uma facadinha no matrimónio? Ou passou um sinal vermelho? Ou enganou o fisco numa transacção? Portanto, recapitulando: temos que encontrar uma pequena falha que, numa atitude de transparência, você próprio dirá às pessoas que cometeu.”
“Nunca fumou erva?”
“Não...”
“Mesmo sem engolir o fumo...” sugeria, esperançado, o director de campanha.
“Já lhe disse que não!”
“Uma multa por excesso de velocidade?”
“Nunca.”
“Já bateu num dos seus filhos?”
“Nem uma vez, sou contra os castigos corporais.”
O director de campanha suspirou. Arrumou os papeis, mas antes de se retirar ainda disse ao candidato:
“Pense nisso. Amanhã é o último discurso da campanha. Os seus dois adversários já tornaram conhecidas as suas pequenas fraquezas: um deles com aquela questão da pensão de alimentos do divórcio litigioso, o outro com a participação que teve na falência do Banco Agrícola. Se você não arranja alguma coisa para mostrar, as pessoas vão desconfiar e pensar o que é que estará a esconder... E olhe que as últimas sondagens dão-vos praticamente empatados...”

O candidato ficou a pensar, rememorando a sua vida passada, na tentativa de encontrar alguma coisa que pudesse ser usada na campanha. Foi recuando no tempo, até que... sim, aquilo talvez pudesse servir...

No dia seguinte, no comício de encerramento da campanha, o candidato discursava sobre um mar de gente, balões, bonés, faixas, aplausos:
“(...) e vou confessar-vos uma coisa: há muitos anos, era eu criança, o meu pai tinha deixado umas moedas sobre a mesa de cabeceira, e eu tirei uma moeda e fui comprar caramelos. Anos mais tarde, disse-lhe o que tinha feito e ele perdoou-me... também porque eu tinha dado metade dos caramelos à minha irmã mais nova!”

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sexta feira, 13

foi o dia em que saiu, apropriadamente, o Nº 13 da Minguante, cujo tema era Superstições. Nela poderão ler a minha pequena contribuição "O Conferencista".

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Escrita "condicionada"

Escrever sujeito a condições restritivas constitui um exercício que pode produzir resultados interessantes. Os constrangimentos mais habituais são a extensão (número de palavras ou de caracteres) e/ou o tema.
Os visitantes deste blogue já aqui têm visto referências à revista Minguante, onde tenho colaborado desde o Número Zero (apenas falhei o Nº 3, devo ter-me distraído...).
Cada número da Minguante tem um tema, e cada contribuição não pode exceder 200 palavras. Neste primeiro post do ano, coloquei aqui alguns dos textos que lá tenho publicado. Antes de cada um está a indicação do tema e a ligação para a revista onde podem ler mais textos sobre o mesmo tema.
Para os que se possam sentir tentados, o próximo tema é SUPERSTIÇÃO e a data limite de envio 15 de Janeiro. Mais informações no site...

E Feliz Ano Novo!



Tema: O BANAL

Um conto banal

Era um conto banal. Uma linguagem nem rebuscada nem demasiado simples, um tema que não pecava pela originalidade, descrição do ambiente aceitável, desenho das personagens mediano, um desenrolar da acção – se se lhe podia chamar acção – sem surpresas. Banal era de facto uma classificação perfeitamente ajustada. Foi enviado para o concurso de contos porque o autor não tinha mais nada escrito e era o último dia do prazo.
Inesperadamente – ou talvez não – obteve o primeiro prémio. Numa transcrição parcial da acta da reunião do júri, constituído por três críticos literários muito cotados na praça, pode ler-se:
“(...) descrição pungente mas ao mesmo tempo com uma distanciação brechtiana da bidimensionalidade da vida nos subúrbios das grandes cidades (...) personagens vazias como vazio é o seu quotidiano (...) desde o fim do nouveau roman que não surgia uma obra literária que tão bem representasse a angústia sem objectivos de uma classe média em processo de atomização (...)”
O autor ficou entusiasmado com aquilo que o júri tinha conseguido ler no seu conto. Sentou-se logo ao computador e começou a escrever um segundo. Sim, porque ideias para contos daqueles tinha ele aos montes...



Tema: O AZUL

A guerra das cores

No país azul, tudo era azul (daí o nome) e todos viviam felizes. Do azul marinho ao azul celeste, uma vasta gama de azuis resplandecia nas pessoas e coisas. Consta que foi neste país que George Gershwin escreveu a famosa Rhapsody in Blue. Do outro lado da fronteira era o país amarelo, cujos habitantes não gostavam dos azuis, nem um bocadinho. E vai daí, uns amarelos infiltraram-se no país dos azuis e espalharam na água um pó amarelo que aos poucos começou a combinar-se com os azuis nativos e a dar verdes. Os cientistas azuis puseram-se ao trabalho e em pouco tempo inventaram um pó anti-amarelo, que neutralizava o efeito do ataque dos vizinhos. Os azuis eram pacíficos por natureza, mas tinham que dar uma lição aos amarelos. Inventaram um pó vermelho e um avião azul sobrevoou o país amarelo e libertou o pó no ar. Tudo o que era amarelo começou a ficar laranja. E enquanto a azulidade voltava lentamente ao país azul, os laranjas (antigos amarelos) coçavam-se todos, porque ainda por cima eram alérgicos aos citrinos.
Foi muito bem feito!



Tema: A MUDANÇA

Todo o mundo é composto de mudança

– Que escreveis, Luis Vaz?
– Um soneto, senhora.
– Deixai-me ler: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / Muda-se o ser, muda-se a confiança / Todo o mundo é composto de mudança (...)
– Perante isto, que é do amor eterno que ontem juráveis?
O poeta ficou calado. Ao fim de uns segundos, uma gargalhada cristalina quebrou o silêncio:
– Não vos amofineis, Luis Vaz. Às vezes me apraz zombar um pouco de vós. Eu também li Petrarca e os outros mestres. Sei bem que o “eterno” dos amantes só o é enquanto dura a paixão... E Caterina de Ataíde rematou sorrindo:
– Estarei à vossa espera onde sabeis, à hora que sabeis. E agora dou-vos a Deus, Luis Vaz.
O roçagar de rendas e sedas fica nos ouvidos de Camões enquanto Caterina se afasta correndo. Suspirando, o poeta dirige-se ao Malcozinhado, onde combinou com seus amigos jogar aos dados um canjirão de vinho. E na sua cabeça começa a surgir outro poema para ofertar a Caterina: Senhora partem tão tristes / Meus olhos por vós meu bem...
E descendo a calçada vai saudando os vadios e as rameiras com quem se cruza, que lhe retribuem as saudações com rasgados sorrisos.



Tema: A AUSÊNCIA

A ausência do professor

Quando na disciplina “Filosofia Tradicional Portuguesa” ia ser discutida a ausência, o professor ausentou-se. Isto passou-se há já uns anos, mas como era do quadro, é preciso que passem 20 anos sobre o seu desaparecimento para poder ser aberto concurso para a sua substituição.

A ausência do doente

“Esta ausência dói-me, senhor doutor!” “Deixe ver, senhor Francisco. Hum, isto está de facto com mau aspecto...” “É grave, senhor doutor?” “Grave, grave, não é, mas o tratamento que lhe vou fazer não é comparticipado...” “Oh senhor doutor, eu quero é ficar bom!” O médico abriu uma gaveta e retirou uma presença. Aplicou-a sobre a ausência. Não foi suficiente. Aplicou uma segunda presença. Agora sim, conseguiu neutralizar a ausência. “Era uma ausência bem grande, senhor Francisco.” “Sinto-me muito melhor, senhor doutor. Muito obrigado.” “Ora essa, senhor Francisco. Desejo as melhoras. Pode pagar na recepção.”



Tema: CELEBRAÇÃO

Concelebração

– É célebre?
– Celebérrimo! Uma verdadeira celebridade.
– Então temos que celebrá-lo.
– Mas se já é célebre, para quê a celebração?
– Porque só se celebra o que já foi celebrizado.
(Pausa)
– Tenho uma dúvida...
– Que não viessem as célebres dúvidas. De que se trata?
– Como é que alguém se torna célebre?
O meu amigo ia responder-me quando apareceu o celebrante. Ia começar a celebração, mas chegou um segundo e depois um terceiro. Estes celebrantes quando lhes cheira a celebração, são como moscas ao mel!
Pareceu que iria haver uma discussão que ficaria célebre, mas rapidamente se puseram de acordo e fizeram uma concelebração.
E todas as celebridades presentes celebrizaram efusivamente.
E como o meu amigo não me chegou a responder, continuo com a minha dúvida...



Tema: ESPELHOS

Só nos encontramos nestas ocasiões

Eram uma família unida. Veio o primo do ramo das confecções (trabalhava num provador da Zara), o tio académico (meteu uns dias de licença no Hubble), a prima jet-set (ninguém a via fora da carteira Prada), todos no velório do espelho retrovisor, brutalmente esmigalhado naquele infausto acidente rodoviário.



Tema: A LEVEZA

Um planeta leve

Era tudo ao contrário naquele planeta (bem, nem tudo...). Os vendedores nos mercados faziam batota com as balanças para indicar mais leveza no artigo vendido, e os fiscais traziam pesos para compensar essas habilidades dos chico-espertos. As pessoas quando preocupadas sentiam o coração leve e no Brasil de lá (que ficava naturalmente no hemisfério norte) não se usava obviamente a expressão “barra pesada”.
Caía-se para cima, logicamente, o que tinha como desvantagem estar o espaço em volta do planeta juncado de detritos (eu disse que nem tudo era diferente...).
Ganhar peso tornou-se uma moda e os ginásios multiplicavam-se como cogumelos. Só que em vez de exercício físico serviam refeições pantagruélicas.

Início de balada

“Batem leve, levemente...”, pensou o gatuno, que era bastante surdo, quando lhe bateram à porta. Na realidade, eram dois agentes da polícia munidos de um mandado de busca.



Tema: DESEMPREGO

Empregado, desempregado, ou mal empregado...

Não se viam desde o 9º ano. Quando se encontraram, abraçaram-se efusivamente.
“Então que fazes?”
“Olha, tirei Psicologia, depois fiz o Mestrado, não arranjo emprego na minha área, trabalho como caixa no Continente. É a vida! E tu?”
“Estou desempregado.”
“Que chato, pá!”
“Não é nada chato! Depois do 9º ano fui para uma escola profissional aprender de electricista. Faço uns biscates, trabalho não falta, sem recibos, claro, e estou a receber do Fundo do Desemprego. Não é mau...”



Tema: VÍCIOS

3 estórias viciosas


1. A influência do ambiente

No jardim das virtudes, bem no meio delas, nasceu um dia um vício. Quando deu por isso, estava virtuoso...


2. Diagnóstico

Era um verdadeiro viciado em virtude... (Aqui entre nós, era um verdadeiro chato!)


3. Não tinha mau fundo...

Toda a gente afirmava que ele era um poço de virtudes; a roldana e a corda é que estavam viciadas. E o balde também...



Tema: O DESEJO

Os caminhos do Desejo

O Desejo chegou a uma bifurcação no seu caminho. Se fosse pela esquerda, que conduzia a Frustração, continuaria a existir; se seguisse pela direita, que levava a Satisfação, morreria, naturalmente.
Incapaz de decidir, angustiado pela escolha a fazer, o Desejo suicidou-se, indesejando-se.
Algum tempo depois, naquele mesmo sítio, um Desejo pequenino brotou de uma fenda entre duas pedras, e dia a dia foi crescendo, tornando-se cada vez mais forte...



Tema: FADO

Generation gap

– O que é isto que estás a ouvir?
– Fado.
– É estranho...
– Pois é, há quem goste, outros não...
– A música é assim tipo meio fixola, mas do que é que ela fala?
– Da tristeza, da ausência, da saudade...
– Que seca!
– Hás-de vir a gostar...
– Eu? Quando?
– Quando fores um cota como eu!
– Eu? Eu nunca vou ser um cota como tu!
– Santa ignorância...