segunda-feira, 13 de julho de 2009

"Onde os Últimos Pássaros Cantaram" (4)

4ª Semana - 04.07.2009

O desafio da 4ª semana era o menos restritivo de todos. Convidava-se os leitores a inspirados, pelo título da obra de Kate Wilhelm, Onde os Últimos Pássaros Cantaram, apresentarem um conto, uma peça, um excerto, uma situação, que pudesse ser descrita (literal ou figurativamente) por essa frase, num máximo (não limitativo) de 500 palavras. E também deveria estar relacionado de alguma forma com o género fantástico.


E a minha história foi esta:

O Fim (Onde os Últimos Pássaros Cantaram)


Reclinado na sua poltrona ajustável, o construtor de pássaros ouvia, deliciado, o rouxinol. Era a última criação que tinha saído das suas mãos, o movimento reproduzindo fielmente os filmes 3-D que tinha recuperado dos arquivos do Universal Geographic, os sons reconstruídos a partir da fonoteca de um ornitólogo há muito falecido.
Levantou a mão e a ave voou do poleiro onde estava até pousar no seu dedo indicador. Com a outra mão, acariciou-lhe as penas da cabeça e depois de uns segundos, fê-la voar de volta ao poleiro.
No outro extremo da sala os periquitos brincavam na gaiola, enquanto o papagaio se pendurava do poleiro, de cabeça para baixo, emitindo sons roucos.
Todas estas aves constituíam o produto mais sofisticado da ciência robótica e tinham sido fabricadas por ele, provavelmente o último investigador desta área do conhecimento ainda vivo.
O homem suspirou profundamente, ligou um projector e na parede começou a passar um filme com luxuriantes paisagens de florestas tropicais, uma explosão de vida colorida, vegetação, aves, mamíferos, o mundo vivo em todo o seu esplendor.
Comandou a poltrona para uma massagem relaxante e foi lentamente deslizando para um sono tranquilo, enquanto os seus olhos se fechavam sobre imagens da Amazónia...

--oOo--

O que despertou o construtor de pássaros foi o silêncio. Levantou-se de um salto. O rouxinol estava caído no chão, imóvel. Os periquitos no chão da gaiola. O papagaio, suspenso da corrente que o prendia ao poleiro, rodava lentamente na corrente de ar causada pelos ventiladores.
Colocou o rouxinol na gaveta do analisador multi-funções, executou uma tomografia e passou depois a utilizar a nanosonda até as suas dúvidas se dissiparem completamente: um vírus inorgânico tinha entrado na casa.
Desenvolvidos por militares para a desactivação de equipamento inimigo, o que era conseguido através da destruição de ligações atómicas nos materiais de que esse equipamento era feito, tinham a dada altura escapado ao controlo do laboratório que os produzia.
E a protecção dada pelos nanofiltros que blindavam a casa tinha-se revelado uma ficção.

--oOo--

O construtor de pássaros accionou as janelas da casa. Várias zonas da parede ficaram transparentes, e ele olhou longamente o exterior. Construída no alto de uma colina outrora arborizada, todo o terreno em volta estava agora seco, calcinado, e um vento persistente fazia rolar nuvens de poeira. Ao longe distinguia-se a auto-estrada, ainda cheia com as carcaças dos carros que lá tinham ficado quando o vírus inorgânico se tinha espalhado.
O homem tornou novamente as paredes opacas, foi ao painel de comando da casa e desactivou os nanofiltros. A casa exigiu-lhe duas vezes a password antes de executar a ordem.
Sentou-se na poltrona, imaginando a sopa química e bacteriológica que era a atmosfera exterior a entrar lentamente na casa. Ligou novamente o filme que vira na noite anterior. E enquanto observava um bando de macacos saltando de ramo em ramo numa floresta do Bornéu, pensava que, se o processo se arrastasse muito, a poltrona tinha um kit de ajuda ao suicídio que podia ser utilizado em qualquer momento.

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