quarta-feira, 7 de setembro de 2011

História da ciência que poderia ter sido (I)

Qualquer pessoa medianamente instruída já ouviu a expressão queda dos graves. Se ainda recorda algo do que aprendeu na escola, conseguirá associar essa expressão ao nome de Galileu Galilei. E no entanto, como as coisas seriam diferentes se Parvus Parvonius tivesse prosseguido a sua carreira científica, abruptamente interrompida de forma trágica...
Vizinho e amigo de Galileu, Parvus acompanhou o início dos seus trabalhos experimentais, mas cedo desenvolveu a ideia que, muito mais interessante do que observar a queda dos graves, seria estudar a queda dos agudos. A discussão entre ele e Galileu atingiu o nível dos insultos mútuos e deixaram de se falar.
As primeiras experiências de Parvus com a queda de agulhas e alfinetes trouxeram-lhe pouca informação, pelo que rapidamente passou a ensaios com facas, navalhas, baionetas, lanças, adagas, espadas, setas, punhais, e material semelhante.
Ficou particularmente interessado nos efeitos da queda dos agudos sobre o corpo humano. Ao princípio utilizava corpos roubados no cemitério local, mas receoso das consequências - a profanação de sepulturas era punida com a pena de morte - passou a usar um processo mais expedito. Numa taberna, metia conversa com um cliente solitário, a quem convidava para partilhar um jarro de vinho, e que depois convidava para ir a sua casa, com o pretexto de lhe mostrar desenhos pornográficos, artigo já muito apreciado na época.
Dentro de casa, o convidado era atordoado com uma pancada na cabeça, amordaçado e amarrado a uma mesa, por cima da qual estavam pendurados os objectos agudos, que eram deixados cair, um a um, sobre o corpo da vítima. Destas experiências, Parvus tirava notas meticulosas que foram encontradas, convenientemente arquivadas, no seu scriptorium.
A carreira de investigador de Parvus Parvonius terminou por um destes acidentes em que a vida é fértil. Regressava da Rua da Cutelaria, onde tinha ido adquirir material de laboratório, quando ao cruzar-se com uma patrulha da polícia da cidade, a alça do bornal se rompeu, e o bornal caiu ao chão, espalhando uma colecção de facas capaz de fazer inveja a um talhante. Essa carga transportada levantou suspeitas aos agentes da autoridade, suspeitas que as suas explicações atabalhoadas não dissiparam, pelo que foi intimado a conduzir a patrulha até à sua casa, onde ainda estava amarrado à mesa o corpo que tinha sido objecto da última série de ensaios. A dúzia e meia de cadáveres enterrados no quintal da casa também não contribuiram para a presunção da sua inocência.
Submetido a julgamento sumário, foi condenado à fogueira, executado e as suas cinzas deitadas ao mar.
Foi também a partir daí incrementada a vigilância sobre os cientistas, que nas palavras do inquisidor-mor, "são capazes dos actos mais vis para tentar provar as suas teorias erróneas".