segunda-feira, 7 de março de 2011

Reader's block

Tiago ajeita os auscultadores que bombam Heavy Metal e olha de relance a televisão no canto do quarto que, com o som cortado, despeja imagens da SIC radical. À sua frente, o monitor do computador mostra a sua página do Facebook, e a pequena janela do Messenger, no canto inferior direito, altera-se sempre que chega uma nova mensagem. O telemóvel pisca, Tiago olha, vê quem é e rejeita a chamada. Suspira, pega de novo no livro e lê pela terceira vez, a meia voz:
"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa."
O Facebook avisa-o de uma mensagem nova. Abre, lê, sorri, responde. Aproveita para expandir a janela do Messenger e responder às 3 ou 4 mensagens que chegaram nos últimos minutos.
A porta abre-se e a mãe entra no quarto. Tiago tira os auscultadores para poder ouvi-la.
"Não me ouviste bater à porta? Tens o som muito alto. Qualquer dia estás surdo. Está aqui o Artur."
O amigo entra no quarto. A mãe sai.
"O que estás a fazer, pá?"
"A ler, não vês? Tenho teste daqui a 3 dias e vai ser sobre este livro."
"Como se chama? Aparição? Vergílio Ferreira? Quem é o gajo? Ainda se te mandassem ler um daqueles de vampiros..."
"A setôra disse que este Ferreira foi um setôr no Camões. Olha, é uma seca! Já peguei nele três vezes e não passei das primeiras linhas. Queres ouvir?"
Tiago abre o livro e começa a ler:
"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa."
Artur faz uma careta como se tivesse bebido uma colher de xarope amargo.
"Chiça, meu, e tu estás a pensar em ler este calhamaço com... deixa ver... 250 páginas? Arranja mas é um resumo... Eu falo com o meu primo que entrou este ano para a faculdade, para ver se ele tem ou se sabe quem tem..."
"E tu o que andas a fazer?"
"Vinha desafiar-te para sair. As garinas estão no Colombo, vamos até lá!"
Tiago hesita, pega de novo no livro, larga-o em cima da mesa, levanta-se.
"Bora lá. Que se lixe o livro! De qualquer maneira não devia conseguir passar da primeira página..."