quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Que sorte de azar!

Já não via o Alfredo desde a Universidade. Fazíamos parte do mesmo grupo, e o Alfredo era o que se chamava um tipo azarado. Um exemplo vivo da lei de Murphy. Se ele planeasse ir fazer um piquenique no campo, era certo e sabido que choveria. Comprava bilhete para um concerto, logo o músico principal adoecia. Punha fato e gravata para ir a uma entrevista e de certeza que ao almoço o molho do bife arranjava maneira de lhe salpicar a camisa. Habituado ao azar, andava sempre de cabeça baixa e de ombros encurvados, como se transportasse às costas o peso do mundo.
Por tudo isto, naquele dia quase não o reconheci. Muito aprumado, de fato Armani, entrou no restaurante onde tínhamos combinado encontrar-nos e veio direito à mesa onde eu estava. Levantei-me, demos um aperto de mão e não me contive que não lhe dissesse:
"Estás com bom aspecto!"
"Não posso dizer que a vida me corra mal..."
"Mas tu eras um tipo cheio de azar..."
"Ainda sou, mas agora ganho dinheiro com isso..."
O empregado trouxe o vinho, deu a provar ao Alfredo, que cheirou, bebeu um pequeno gole e acenou, aprovador. Serviu-nos a ambos. Esperei que se afastasse para perguntar:
"Ganhas dinheiro como?"
"É uma longa história. Já ouviste falar de atractores estranhos?"
"Estudei Física como tu..."
"Bem, e de repulsores?"
"Desses não me lembro..."
"Nem podias, só foram inventados depois de acabarmos o curso. Mas funcionam exactamente ao contrário dos atractores. E há cerca de um ano, um psicólogo, a estudar os factores que fazem com que certas pessoas tenham êxito e outras não, descobriu que alguns indivíduos são atractores e outros repulsores. Uns atraem as ocasiões favoráveis, as boas oportunidades, enquanto outros é o oposto. A generalidade das pessoas é uma mistura de uma coisa e outra, mas há uma pequeníssima percentagem que são atractores e repulsores praticamente puros. E eu sou um repulsor puro."
"E como descobriste isso?"
"O meu terapeuta conhecia o tipo que andava a fazer esta investigação e propôs-me fazer uma bateria de testes e foi assim que descobriram. Agora acontece que estes dois conheciam um terceiro que era gestor de hedge funds, e que pensou que tão bom como ter à mão um atractor era ter um repulsor. Num caso para adoptar as decisões, no outro para seguir as decisões opostas. E foi assim que fui parar à actividade financeira."
Estava fascinado! Levei uma garfada à boca - quase me tinha esquecido da comida à minha frente - enquanto o Alfredo continuava:
"Assim, todos os dias vou trabalhar como se fosse um dos outros, olho para as cotações que deslizam no monitor e dou ordens de compra e venda. Só que, enquanto as dos meus colegas são executadas, as minhas são desviadas para o meu chefe que dá então indicações aos outros operadores para fazerem exactamente o contrário do que eu decidi. O que eu decidi comprar eles vendem, o que eu decidi vender eles compram. E isto funciona 99,87 por cento das vezes!"
Veio a conta e o Alfredo pegou nela, apenas esbocei um leve protesto.
"Deixa estar que eu pago isto. Ainda no mês passado recebi um bónus com um valor muito confortável." E em voz mais baixa, acrescentou: "O lucro da empresa subiu 63 por cento desde que lá comecei a trabalhar..."
Despedimo-nos à porta do restaurante, fiquei a ver o Alfredo afastar-se e a pensar: "Que raio de sorte a do Alfredo em ter o azar que tem!"

Esta estória é dedicada ao Luís E., que me deu a ideia.