segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Cenas bíblicas (1)

Pedro passava os seus Passos pelo mundo, debitando parábolas (quando não hipérboles) a fiéis e gentios, indistintamente.
“Em verdade vos digo: ficai pobres, porque só assim atingireis a salvação!”
“Andastes a viver acima das possibilidades, agora apanhai migalhas; ou com sorte, um carrito de gama alta!”
“Tendes que vos convencer que só alguns, os predestinados empreendedores, podem ir ao pote.”
“O país é como um navio, eu sou o timoneiro, o rumo está traçado, navegamos em direcção à terra prometida, não temos culpa que a maior parte de vós se tenha alojado no porão, onde há ratos e baratas; os escolhidos habitam no convés, sentindo na face a brisa perfumada do sucesso.”
Passeava ele por estas metáforas quando lhe vieram dizer:
“Pedro, o teu companheiro Miguel está morto!”
“Morto! Mas como assim, se ainda há pouco tempo ele estava rubicundo como um tomate, cantarolando a “Grândola vila morena”? E de que morreu?”
“Consta que de apoplexia. Tentou comer uma licenciatura de uma só vez, mas engasgou-se com as últimas quatro cadeiras…”
“Levai-me até ele”, disse Pedro, e assim foram.
“Miguel, levanta-te e anda!”
E Miguel levantou-se e andou, e Pedro conduziu-o até à cabeceira da lista para o Conselho Nacional.
Quando o povo viu isto, muitos murmuraram, mesmo entre os fiéis reunidos no Sinédrio, e diziam em voz baixa:
“Mas quem se julga ele para andar a ressuscitar mortos ao sábado?”
“Vamos fazer-lhe sentir que não é dono disto tudo! Que tem que contar com a opinião dos fiéis! Vamos fazer muitas listas para o Conselho Nacional!"
E foram 9 as listas.
E quando a lista de Pedro obteve apenas 25,7 por cento dos votos, ( 18 em 52 mandatos), quase todos, fiéis e gentios, no segredo dos seus corações, se regozijaram.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Divergência

Um pequeno grupo, no meio do continente que mais tarde viria a ser chamado África. Providos de cérebro, mãos e curiosidade. Construídos à sua “imagem e semelhança”.
Preparado um ambiente com predadores e presas, pressão necessária e suficiente para evoluirem, deixá-los desenvolver-se, crescer e multiplicar-se. Forçados a mover-se quando os recursos numa região se tornam escassos. Divergência.
Vagas sucessivas vão-se dispersando por um planeta vazio de homens. E seguem para Leste e espalham-se pela Ásia, e avançam para Norte e ocupam a Europa, e da Ásia passam à América. E esquecem-se, e descobrem-se. Com intervalos de séculos, surgem por vezes grandes impérios, cuja expansão transporta no ventre as sementes de mais divergência. Impérios que terminam por assassinato dos líderes, ou por revoltas das periferias contra o poder central, ou por razões ainda mais prosaicas como uma epidemia de propagação rápida e consequências mortais. Guerras em que se exterminam com maior ou menor eficiência. Mais divergência…
Mas a convergência parece fazer parte da matriz primeva: a família, a tribo, a região, a nação… E surge a Sociedade das Nações. E as Nações Unidas. A União Europeia. A Organização Pan-Africana. A União das Américas. A Confederação Asiática. As redes informáticas criando a consciência global. A instauração de um Governo Mundial…

— X —

O Mestre dá a aula como terminada. “Já passaram dois milhões de anos”, justifica. Vai de deus em deus observar o trabalho realizado.
“Yahweh, o que é que temos aqui?”. Observa o planeta e franze o sobrolho. “O objectivo era a divergência! E tu não conseguiste evitar a convergência! Mau trabalho, Yahweh!”
Os outros deuses entreolham-se, um pouco surpreendidos pela veemência do Mestre.
“É absolutamente imprescindível evitar o aparecimento da convergência. Porque a ela se segue a emergência. E emerge em direcção à singularidade. E se chega à singularidade, a humanidade atingirá o nível dos deuses. E nós não queremos isso!”
“ Destroi tudo o que fizeste. Vou arranjar outro planeta para começares de novo…”

Seguindo as ordens do Mestre, Yahweh dá início ao Apocalipse.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Faustian Unbargain

Este foi o título com que ficou, no número 559 de Bewildering Stories, uma história intitulada "Como afinal Fausto não vendeu a alma ao Diabo (mas esteve quase...)", publicada neste blogue em Março de 2013. O texto própriamente dito não encurtou... pelo contrário, até aumentou um pouco na tradução...