quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Dia de eleição

Quando abriram as urnas, lá estavam os mortos...

Mas estavam à espera de quê?

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Que sorte de azar!

Já não via o Alfredo desde a Universidade. Fazíamos parte do mesmo grupo, e o Alfredo era o que se chamava um tipo azarado. Um exemplo vivo da lei de Murphy. Se ele planeasse ir fazer um piquenique no campo, era certo e sabido que choveria. Comprava bilhete para um concerto, logo o músico principal adoecia. Punha fato e gravata para ir a uma entrevista e de certeza que ao almoço o molho do bife arranjava maneira de lhe salpicar a camisa. Habituado ao azar, andava sempre de cabeça baixa e de ombros encurvados, como se transportasse às costas o peso do mundo.
Por tudo isto, naquele dia quase não o reconheci. Muito aprumado, de fato Armani, entrou no restaurante onde tínhamos combinado encontrar-nos e veio direito à mesa onde eu estava. Levantei-me, demos um aperto de mão e não me contive que não lhe dissesse:
"Estás com bom aspecto!"
"Não posso dizer que a vida me corra mal..."
"Mas tu eras um tipo cheio de azar..."
"Ainda sou, mas agora ganho dinheiro com isso..."
O empregado trouxe o vinho, deu a provar ao Alfredo, que cheirou, bebeu um pequeno gole e acenou, aprovador. Serviu-nos a ambos. Esperei que se afastasse para perguntar:
"Ganhas dinheiro como?"
"É uma longa história. Já ouviste falar de atractores estranhos?"
"Estudei Física como tu..."
"Bem, e de repulsores?"
"Desses não me lembro..."
"Nem podias, só foram inventados depois de acabarmos o curso. Mas funcionam exactamente ao contrário dos atractores. E há cerca de um ano, um psicólogo, a estudar os factores que fazem com que certas pessoas tenham êxito e outras não, descobriu que alguns indivíduos são atractores e outros repulsores. Uns atraem as ocasiões favoráveis, as boas oportunidades, enquanto outros é o oposto. A generalidade das pessoas é uma mistura de uma coisa e outra, mas há uma pequeníssima percentagem que são atractores e repulsores praticamente puros. E eu sou um repulsor puro."
"E como descobriste isso?"
"O meu terapeuta conhecia o tipo que andava a fazer esta investigação e propôs-me fazer uma bateria de testes e foi assim que descobriram. Agora acontece que estes dois conheciam um terceiro que era gestor de hedge funds, e que pensou que tão bom como ter à mão um atractor era ter um repulsor. Num caso para adoptar as decisões, no outro para seguir as decisões opostas. E foi assim que fui parar à actividade financeira."
Estava fascinado! Levei uma garfada à boca - quase me tinha esquecido da comida à minha frente - enquanto o Alfredo continuava:
"Assim, todos os dias vou trabalhar como se fosse um dos outros, olho para as cotações que deslizam no monitor e dou ordens de compra e venda. Só que, enquanto as dos meus colegas são executadas, as minhas são desviadas para o meu chefe que dá então indicações aos outros operadores para fazerem exactamente o contrário do que eu decidi. O que eu decidi comprar eles vendem, o que eu decidi vender eles compram. E isto funciona 99,87 por cento das vezes!"
Veio a conta e o Alfredo pegou nela, apenas esbocei um leve protesto.
"Deixa estar que eu pago isto. Ainda no mês passado recebi um bónus com um valor muito confortável." E em voz mais baixa, acrescentou: "O lucro da empresa subiu 63 por cento desde que lá comecei a trabalhar..."
Despedimo-nos à porta do restaurante, fiquei a ver o Alfredo afastar-se e a pensar: "Que raio de sorte a do Alfredo em ter o azar que tem!"

Esta estória é dedicada ao Luís E., que me deu a ideia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

História da ciência que poderia ter sido (I)

Qualquer pessoa medianamente instruída já ouviu a expressão queda dos graves. Se ainda recorda algo do que aprendeu na escola, conseguirá associar essa expressão ao nome de Galileu Galilei. E no entanto, como as coisas seriam diferentes se Parvus Parvonius tivesse prosseguido a sua carreira científica, abruptamente interrompida de forma trágica...
Vizinho e amigo de Galileu, Parvus acompanhou o início dos seus trabalhos experimentais, mas cedo desenvolveu a ideia que, muito mais interessante do que observar a queda dos graves, seria estudar a queda dos agudos. A discussão entre ele e Galileu atingiu o nível dos insultos mútuos e deixaram de se falar.
As primeiras experiências de Parvus com a queda de agulhas e alfinetes trouxeram-lhe pouca informação, pelo que rapidamente passou a ensaios com facas, navalhas, baionetas, lanças, adagas, espadas, setas, punhais, e material semelhante.
Ficou particularmente interessado nos efeitos da queda dos agudos sobre o corpo humano. Ao princípio utilizava corpos roubados no cemitério local, mas receoso das consequências - a profanação de sepulturas era punida com a pena de morte - passou a usar um processo mais expedito. Numa taberna, metia conversa com um cliente solitário, a quem convidava para partilhar um jarro de vinho, e que depois convidava para ir a sua casa, com o pretexto de lhe mostrar desenhos pornográficos, artigo já muito apreciado na época.
Dentro de casa, o convidado era atordoado com uma pancada na cabeça, amordaçado e amarrado a uma mesa, por cima da qual estavam pendurados os objectos agudos, que eram deixados cair, um a um, sobre o corpo da vítima. Destas experiências, Parvus tirava notas meticulosas que foram encontradas, convenientemente arquivadas, no seu scriptorium.
A carreira de investigador de Parvus Parvonius terminou por um destes acidentes em que a vida é fértil. Regressava da Rua da Cutelaria, onde tinha ido adquirir material de laboratório, quando ao cruzar-se com uma patrulha da polícia da cidade, a alça do bornal se rompeu, e o bornal caiu ao chão, espalhando uma colecção de facas capaz de fazer inveja a um talhante. Essa carga transportada levantou suspeitas aos agentes da autoridade, suspeitas que as suas explicações atabalhoadas não dissiparam, pelo que foi intimado a conduzir a patrulha até à sua casa, onde ainda estava amarrado à mesa o corpo que tinha sido objecto da última série de ensaios. A dúzia e meia de cadáveres enterrados no quintal da casa também não contribuiram para a presunção da sua inocência.
Submetido a julgamento sumário, foi condenado à fogueira, executado e as suas cinzas deitadas ao mar.
Foi também a partir daí incrementada a vigilância sobre os cientistas, que nas palavras do inquisidor-mor, "são capazes dos actos mais vis para tentar provar as suas teorias erróneas".

domingo, 28 de agosto de 2011

Notícias do Concílio do Mercado (III)


Em simultâneo com as sessões plenárias, uma comissão de peritos trabalha activamente nas questões terminológicas. Sabendo o Concílio que muitas das grandes controvérsias históricas estão relacionadas com o significado a dar às palavras, foi decidido estabelecer, não só uma lista de palavras a usar, mas também outra lista, não menos importante, das palavras a não usar - o Index Palavrorum.
Nesta segunda lista, uma das primeiras palavras a entrar foi "trabalho", substituída pelos termos "recursos humanos" ou, preferencialmente, "capital humano".
Como exemplo, seguem-se mais algumas palavras colocadas no Index, cada uma seguida da correspondente palavra a usar:

especulador --> investidor
lucro --> justa retribuição
trabalhador --> colaborador
solidariedade --> assistência

Esta tarefa deverá continuar mesmo depois do encerramento do Concílio, pois as forças do Mal estão sempre a produzir novas palavras destinadas a confundir os fieis, e os servidores do Mercado têm de manter-se   vigilantes.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Notícias do Concílio do Mercado (II)


Ao fim da segunda semana de trabalhos, foi lida pelo porta-voz autorizado uma nova declaração, estabelecendo como um dogma de Fé a possibilidade de crescimento contínuo num sistema finito.
Consta que, durante a discussão, foi aventada a possibilidade de declarar heréticos acima de qualquer remissão todos aqueles - em geral com formação nas ciências físicas, mas muitos equipados apenas com o sólido bom-senso - que tivessem alguma vez afirmado a impossibilidade de tal crescimento permanente. Mas acabou por prevalecer a tese mais moderada de que as afirmações respeitantes ao comportamento da divindade Mercado, sendo do âmbito teológico, e consequentemente do domínio da Fé, não são susceptíveis de ser confirmadas ou infirmadas por leigos.
"Ad majorem mercado gloriam", assim concluia a declaração, que como de costume, não teve direito a perguntas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Notícias do Concílio do Mercado (I)


Terminada a primeira sessão do Concílio, foi a decisão mais importante divulgada numa conferência de imprensa sem direito a perguntas.
O Concílio decretou a infalibilidade das Agências de Rating, únicos intermediários reconhecidos entre a divindade do Mercado e o "Homus economicus".
E mais decretou que quem, por qualquer meio, exprima dúvidas sobre este dogma agora formulado, verá imediatamente o seu rating passado à categoria "lixo", ficando impedido de aceder no futuro à presença da Divindade.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Do sótão da memória...

Há muitos anos, era o (meu) mundo mais novo, um colega e amigo contou-me uma história que se tinha passado com a filhota dele, no infantário que frequentava.
Queixava-se ela que um coleguinha lhe batia. E ele, meio distraído durante a queixa, atirou-lhe: "Olha, bate-lhe tu também!".
A filha replicou: "Não, que ele é mais grande, e depois bate-me mais...". Reflectiu um pouco, e acrescentou: "Já sei, vou bater ao Zezinho, que é mais pequeno do que eu!".
O meu amigo ficou subitamente atento, e lá teve que explicar à filha que não era dessa forma que as coisas se passavam, porque o Zezinho não tinha culpa nenhuma que o outro menino lhe batesse, e por aí fora...

E por que será que ao pensar sobre o que vai acontecer ao meu subsídio de Natal me veio à memória esta história com mais de 30 anos? Ele há coisas...

domingo, 10 de julho de 2011

A taxa de desemprego

Um comunicado do IEFP esclarece que o súbito agravamento da taxa de desemprego é devido à cessação de actividade de um elevado número de pessoas cujo "core business" consistia em dizer mal do ex-primeiro ministro José Sócrates.
Muitos destes recém-desempregados têm feito fila à porta dos Centros de Emprego, mas o IEFP comunica que ainda não abriram vagas para, de forma massiva, dizer mal do novo primeiro ministro Pedro Passos Coelho. Esses postos de trabalho serão criados logo que termine o "estado de graça" e nessa altura o Instituto divulgará esse facto através de Edital.
Foram recentemente criados alguns empregos para dizer mal das agências de rating. Os candidatos tiveram que frequentar um curso de formação, mas as poucas vagas foram rapidamente preenchidas por políticos, comentadores encartados, jornalistas e outros profissionais do mesmo tipo. Consta que o curso de formação foi muito exigente (rotações de 180º são sempre difíceis de interiorizar), mas como pode ser verificado na generalidade dos meios de comunicação social, todos os alunos passaram com excelente aproveitamento.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

"Livros" + "100"

A revista Os Meus Livros, para comemorar o seu número 100, organizou um concurso de contos até 100 palavras, que incluissem obrigatoriamente as palavras livros e 100.
Podem ler o conto vencedor aqui, no blogue da revista.

E é assim que vou receber o último livro do Afonso Cruz ...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

À atenção do ministro Nuno Crato


Exmo senhor ministro
É um facto conhecido que os docentes do ensino superior se queixam com frequência do tempo gasto na avaliação dos alunos: trabalhos, seminários, apresentações, testes, exames (1ª época, 2ª época, época especial)...
Os recentes acontecimentos na cena político/económica envolvendo a queda do rating da República deram-me uma ideia que poderá solucionar aquele problema. Em vez de classificar os trabalhos e exames, os professores emitirão a sua "opinião" sobre o aluno, qualquer coisa nestes termos: "independentemente do que aqui está", e poderão apontar com um dedo displicente para a pilha de trabalhos e testes produzidos pelo aluno, "tenho um feeling que você não vai conseguir passar de ano, e portanto leva um 9. E tome nota que fica com um outlook negativo, portanto fique à espera de um 6 ou 7 para a próxima."
Veja-se o tempo poupado ao sobrecarregado dia de trabalho de um docente!
E a cereja no topo do bolo é que os alunos terão de pagar para os docentes emitirem essa "opinião" baseada nesse feeling, resolvendo assim em simultâneo dois problemas crónicos: a sobrecarga dos professores e o subfinanciamento das instituições.
Naturalmente que, vivendo nós neste financeirismo totalitarista em que tudo tem um preço, tenho a expectativa de ser recompensado por esta ideia brilhante, por exemplo na forma de uma percentagem (a negociar) dos ganhos financeiros das instituições que adoptarem esta nova metodologia, da qual já submeti o respectivo pedido de patente.

Com as mais cordiais saudações académicas

terça-feira, 24 de maio de 2011

PALAVRAS

Na praça pública, o homem levantou-se e disse, enquanto ia mostrando um a um os dedos da mão direita:

“Destino
Presença
Catástrofe
Futuro
Passado”

“Está louco!”, pensaram vários.
“Está possuído pelo demónio”, disse um.
“É um profeta”, disse outro.
“A palavra mais importante é Destino”, gritou um terceiro.
“Não é, não, é Futuro”, berrou outro.
A confusão generalizou-se, com todos a gritar ao mesmo tempo, defendendo os seus pontos de vista.
E foi desta forma que nasceram os Destinólicos, os Presencistas, os Catastrofistas, os Futurólicos e os Passadistas, que desde então se têm digladiado continuamente, como rezam as crónicas da cidade.
Quanto ao homem na origem de tudo isto, cujo nome a história não registou, depois de ter falado, afastou-se calmamente, e nessa tarde, contemplando o sol poente, já não se lembrava do que tinha dito de manhã.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Reader's block

Tiago ajeita os auscultadores que bombam Heavy Metal e olha de relance a televisão no canto do quarto que, com o som cortado, despeja imagens da SIC radical. À sua frente, o monitor do computador mostra a sua página do Facebook, e a pequena janela do Messenger, no canto inferior direito, altera-se sempre que chega uma nova mensagem. O telemóvel pisca, Tiago olha, vê quem é e rejeita a chamada. Suspira, pega de novo no livro e lê pela terceira vez, a meia voz:
"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa."
O Facebook avisa-o de uma mensagem nova. Abre, lê, sorri, responde. Aproveita para expandir a janela do Messenger e responder às 3 ou 4 mensagens que chegaram nos últimos minutos.
A porta abre-se e a mãe entra no quarto. Tiago tira os auscultadores para poder ouvi-la.
"Não me ouviste bater à porta? Tens o som muito alto. Qualquer dia estás surdo. Está aqui o Artur."
O amigo entra no quarto. A mãe sai.
"O que estás a fazer, pá?"
"A ler, não vês? Tenho teste daqui a 3 dias e vai ser sobre este livro."
"Como se chama? Aparição? Vergílio Ferreira? Quem é o gajo? Ainda se te mandassem ler um daqueles de vampiros..."
"A setôra disse que este Ferreira foi um setôr no Camões. Olha, é uma seca! Já peguei nele três vezes e não passei das primeiras linhas. Queres ouvir?"
Tiago abre o livro e começa a ler:
"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa."
Artur faz uma careta como se tivesse bebido uma colher de xarope amargo.
"Chiça, meu, e tu estás a pensar em ler este calhamaço com... deixa ver... 250 páginas? Arranja mas é um resumo... Eu falo com o meu primo que entrou este ano para a faculdade, para ver se ele tem ou se sabe quem tem..."
"E tu o que andas a fazer?"
"Vinha desafiar-te para sair. As garinas estão no Colombo, vamos até lá!"
Tiago hesita, pega de novo no livro, larga-o em cima da mesa, levanta-se.
"Bora lá. Que se lixe o livro! De qualquer maneira não devia conseguir passar da primeira página..."

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Era uma espada

Era uma espada.
E era a mão que empunhava a espada
e era o braço que movia a mão
e era o corpo que comandava o braço
e era o coração que impulsionava o corpo.

Uma flecha perdida encontrou o coração
que parou o corpo
que largou o braço
que soltou a mão
que abandonou a espada

que, livre da mão que a segurava,
passou a ser apenas um entre muitos objectos
enferrujando no campo de batalha.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

5 palavras - 5

Em resposta a um desafio do José Mário Silva no Bibliotecário de Babel, aqui ficam cinco "Tragédias em cinco palavras", que também coloquei lá na caixa de comentários. Em tempo de crise, poupar (também) nas palavras é uma virtude...

Nunca pensei que fosse fundo!

Acho que não está carregada…

A ponte é totalmente segura.

Distingo perfeitamente os cogumelos venenosos!

Isso é comigo, oh palhaço?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Dom Fuas está doente


Dom Fuas de Calatrava
jaz em seu leito de enfermo.
E o povo, que penava,
entre dentes murmurava
"Nunca mais morre o estafermo!"

À volta se afadigavam
fidalgos e serviçais,
aios, pagens, camareiros,
e um grupo de carpideiras
soltando profundos ais.

"Está em estado estacionário",
anunciou o intendente.
"Trazei lá o escapulário,
mais o padre e o breviário,
pra deixar de estar doente."

Aos pés da cama conversam
três físicos, dois barbeiros,
um teólogo, um astrólogo,
o homem das sanguessugas
e um par de curandeiros.

Há um que sugere sangrá-lo.
Outro diz que é dos humores.
Este que foi mau olhado.
Mas não chegam a acordo
nesta roda de doutores.

E Dom Fuas, num rompante,
soerguendo-se na cama
diz com voz tonitruante:
"Mandai embora os doutores,
ficarei bom num instante!"

Escrito há uns meses para ser uma Cantiga de Escárnio e Mal-Dizer... o que talvez um dia venha a ser.

domingo, 23 de janeiro de 2011

O mercado rafeiro

Fiquei de boca aberta quando encontrei o Joaquim com um mercado pela trela. Um bocado rafeiro, mas na mesma um mercado...
"Como arranjaste esse?"
"Naquela rua junto à Bolsa, topas, dei com ele a vaguear. Acenei-lhe com um juro de 7 e meio por cento e ele veio logo a correr. Eu já tinha uma coleira preparada, e foi rápido. Mas só ando com ele na rua açaimado..."
"E o que lhe dás a comer?"
"Olha, quando o apanhei estava gordo, devia ter andado a comer dívida grega a 12 e meio por cento. Agora dou-lhe juros a 1 ou 2 por cento. Rosna um bocado mas vai comendo..."
"Isto está perigoso", disse eu. "Um tipo arrisca-se a andar na rua e saltar-lhe um mercado vadio às canelas da dívida."
"Este não me dá grandes problemas. Se ladra ou se rosna demais leva um puxão na trela e acalma logo. Tenho é que andar sempre preparado...", e tirou do bolso um saco de plástico enrolado que me mostrou. "É que esta raça em qualquer lado faz merda!"