Ghost writing
Eleutério Silva - nome fictício, já perceberão por quê - escrevia contos curtos. Mais, era um óptimo escritor de contos curtos. Costumava publicar os seus textos na Net, e ficava satisfeito quando recebia reacções positivas, desde um simples like no Facebook até comentários, por vezes extensos, no seu blogue.Havia um tipo de comentários que o deixavam extremamente satisfeito e era quando o leitor dizia: "Gostaria de ter escrito este conto!".
Foi este género de frase que colocou a mente de Eleutério numa linha de raciocínio que moldou definitivamente o seu futuro.
Foi ao Google e à Wikipédia, pesquisou "ghost writer", e ficou surpreendido perante a quantidade de casos em que escritos de uns aparecem atribuídos a outros. Das novelas de Tom Clancy às memórias de Hillary Clinton, da autobiografia de Reagan a algumas encíclicas papais... E não só na literatura: Mozart escreveu peças que mecenas endinheirados fizeram passar por suas...
Lembrou-se também de um filme que tinha visto há muitos anos em que Woody Allen actuava como autor de textos que eram na realidade produzidos por escritores impedidos de publicar por estarem na lista negra do macartismo.
Eleutério meditou durante uns dias sobre a problemática da autoria e do seu reconhecimento. Quando emergiu dessa meditação tinha um business plan que passou a executar.
Enviou emails individuais aos seus leitores, anunciando a venda, por um preço módico, de contos curtos. A venda seria estritamente confidencial e o comprador poderia seguidamente publicar o conto como sendo da sua autoria. Eleutério ficou surpreendido com a adesão ao seu projecto. E começou a ganhar uns euritos.
Ao fim de algumas semanas aconteceu o expectável; vários leitores interessados em comprar o mesmo conto. Eleutério fez um pequeno leilão entre os interessados e o conto foi vendido pela melhor oferta. E como isso foi acontecendo com alguma frequência, os proventos de Eleutério foram aumentando.
Alguns meses se passaram e Eleutério tomou consciência que o mercado português era muito reduzido e que a expansão da sua actividade só seria possível com a internacionalização. Novamente abordou o problema de forma muito profissional. Embora o seu inglês já fosse bastante bom, procurou um curso com incidência particular na escrita de textos criativos e frequentou-o, com muito bom aproveitamento. Começou depois a enviar contos para todos os sites que encontrou que publicassem contos curtos. Usando agora os leitores desses sites, reproduziu no mundo da língua inglesa o que tinha feito no mercado português, mas numa dimensão incomparavelmente superior.
Eleutério vive hoje confortavelmente, gerindo o seu negócio e dirigindo o trabalho da equipa de ghost writers - todos eles naturalmente sujeitos a um acordo de confidencialidade - que entretanto foi tendo que juntar para responder ao aumento de procura do mercado. O apartamento em condomínio fechado onde vive na cidade, a casa na praia, o BMW com menos de um ano e as contas em diversos bancos são o resultado desta sua actividade.
E estimado leitor, quem sabe se o conto que acabaste de ler não saiu do teclado de Eleutério ou de algum dos seus contratados? Quem sabe?
Dedicado ao José Eduardo Lopes, que me enviou o ebook "Microescritas", que tenho estado a tomar lentamente, para evitar uma overdose de microliteratura, muito difícil de tratar...
3 comentários:
O que está a dar (dizem) é o empreendedorismo. Até na escrita. :))
Olá Luisa. Sempre atenta...
Saudações
Obrigado João!
O formulário de comentários pede-me que confirme que não sou um robô, mas podia ter: "Prove que não é um robô e que não se chama Eleutério Silva!".
;)
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