domingo, 30 de julho de 2006

O Quadro

Quando o homem chegou a casa e desembrulhou o quadro que tinha comprado, a mulher barafustou:
- O que iria dizer a tia Hermínia, uma pintura com cinco mulheres nuas, cinco, dizia ela, e abria a mão gorducha para dar ênfase às suas palavras.
O homem pendurou o quadro ao lado da televisão. Uma vez em que assistia semanal e pacatamente ao concurso, pareceu-lhe que uma das ninfas que brincavam no meio das árvores lhe acenava. Passou a observar o quadro com mais atenção.
Uma noite em que a mulher lavava a louça na cozinha, o homem tomou uma decisão. Levantou-se do sofá, dirigiu-se ao quadro e passou para dentro dele.
Quando a mulher veio à sala, com o pano da louça e um prato nas mãos, para lhe contar o último mexerico do prédio, não o viu. No dia seguinte, comunicou à polícia o desaparecimento do homem. Dois meses mais tarde, pegou no quadro que representava quatro ninfas brincando no bosque e atirou-o para o lixo. Nunca tinha gostado daquela pouca-vergonha ali pendurada na parede!

Em 2007, este texto fará 20 anos. O ficheiro wav é uma imagem da sua estreia em público, pela voz de António Santos.


QUADRO_blog.WAV
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terça-feira, 25 de julho de 2006

O Sentido da História

No meio do nevoeiro caminhavam
guiados por um mapa com cem anos.
Lutaram contra homens e fantasmas
animados sempre pela esperança
de chegar ao horizonte prometido.

Quando o ruído da queda do muro dispersou o nevoeiro
viram que o horizonte estava mais longe
e concluíram que o autor do mapa
muito provavelmente não sabia
geografia…

sábado, 22 de julho de 2006

Bonecas Russas

O quadro representa um homem que pinta um quadro, onde está pintado um homem que pinta um quadro, onde está pintado um homem que pinta um quadro, onde...
Desta série infinita, o primeiro termo da série, que a si próprio se pensa como "o pintor", mas que designaremos de uma forma mais geral como pintor1 (pintor índice um) conseguiu escapar-se; é ele que circula pela exposição, com indumentária de artista ma non tropo, recebendo cumprimentos da crítica e dos felizardos que receberam convite para a vernissage. Enquanto troca palavras de circunstância, não se apercebe que o pintor2 se esforça desesperadamente por se libertar da prisão bi-dimensional em que se encontra encerrado. Está cansado de estar na mesma posição há tanto tempo, mas a tela prende-o de uma forma rígida, quase absoluta.
Se o pintor1 se apercebesse disto, teria razão para ficar extremamente preocupado; mais, se tomasse consciência das implicações, pegaria num maçarico e queimaria a tela até não ficar mais do que um resíduo de material carbonizado. Porque se o pintor2 se conseguir libertar, esse facto irá despoletar uma terrível sequência de acontecimentos: o pintor3 passará ao nível onde anteriormente se encontrava o pintor2 e tentará por sua vez passar ao espaço tri-dimensional. O que agora acontecerá de forma mais simples, pois a velocidade de passagem para espaços de dimensão mais elevada é uma função exponencial do número de passagens anteriores. E é fácil (embora angustiante) visualizar a sucessão infinita de pintores a deslocar-se de tela para tela, com velocidade cada vez mais elevada, e a materializar-se (melhor, a tri-dimensionalizar-se) no meio da exposição, todos eles cópias perfeitas do pintor1 - afinal o quadro é um auto-retrato - o pânico generalizado, a desvalorização subsequente (sim, porque se o valor comercial de uma obra é proporcional à sua raridade, o mesmo se passará em relação ao artista!).
O pintor (pintor1 na nossa nomenclatura), segurando na mão esquerda um gin tonic e na direita um cigarro cujo fumo desenha complicadas figuras enquanto ele faz gestos para reforçar os seus argumentos, passou agora pela frente da tela, discutindo o post-moderno com o responsável do suplemento "Artes e Letras" de um conhecido semanário. Olhou para o quadro e teve a sensação que a tela não estava perfeitamente lisa, parecendo repuxada nalguns sítios. Tomou nota mentalmente para no dia seguinte falar ao moldureiro, para que tenha mais cuidado quando se trata de trabalhos para uma exposição...


(Menção Honrosa nos Jogos Florais da Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica em Outubro de 1997. Publicado no Vol. 1, Nº 2 do fanzine Hyperdrivezine, editado por Ricardo Loureiro, Verão 2004 )

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Contos à distância de um click(4):

Operação (muito) especial


As Brigadas FC entraram em animação suspensa porque que o seu comandante, Rogério Ribeiro, tem andado a "comandar" outras coisas, em particular a sonhar em infravermelho.
Esta "Operação..." deve o seu nascimento aos nomes interessantes de algumas ruas de Torremolinos...

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Contos à distância de um click (3):

A Pedra

Repescado do Arquivo da Storm Magazine, dirigido por Helena Vasconcelos, onde se publica ficção e muito mais. Não há como verificar...

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Neve

No Inverno
a neve apaga
os sinais nos caminhos da memória

O processo é todavia lento
ao princípio, e parece que somente
uma camada branca vai cobrindo
os marcos familiares

Mas em breve o viajante
que percorreu mil vezes esses trilhos
se perde na brancura indefinida

Para quando a Primavera?

domingo, 9 de julho de 2006

Aconteceu no Fitness Center

O famoso artista estacionou o Rolls-Royce na garagem do Fitness Center. Tirou os óculos de sol Alain Mikli, que colocou na bolsa apropriada, ao lado do terminal GPS.
Subiu no elevador, cumprimentou a recepcionista que lhe dirigiu um largo sorriso e encaminhou-se para o gabinete onde costuma mudar de roupa. Despiu o blusão Martin Margiela e a t-shirt da CUSTO. Tirou do pulso o relógio Jaquet Droz, modelo GENEVE, que colocou no pequeno cofre destinado a esse fim. Juntou-lhe a carteira Prada, a caneta Montblanc Solitaire Royal e o Nokia N91 e fechou o cofre. Descalçou os sapatos Louis Vuitton, as meias Cole Haan, tirou os jeans Galliano e as cuecas Calvin Klein.
Quando o personal trainer bateu à porta do gabinete, não obteve resposta. Entrou, e dentro do compartimento apenas encontrou diversas peças de roupa.
E de repente, surge-lhe na memória uma frase ouvida ao famoso artista num talk show televisivo recente. Questionado sobre as roupas que comprava – "os trapinhos" como ele dizia – tinha afirmado ao entrevistador:
“Bem vês, nós somos o que vestimos!”

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Contos à distância de um click (2):
Eu Blogo, Tu Blogas

Segue-se o Tecnofantasia, "filho" do Luís Filipe Silva, um dos (poucos) autores portugueses de FC publicados em livro. Aproveitem o fim de semana para dar por lá uma volta, e verão que vale a pena...

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Contos à distância de um click (1):

Crónica Marciana ou A Explicação da Guerra

Inicia-se aqui uma ronda por alguns ciberlocais onde alguns contos que tenho escrito têm encontrado abrigo.
Começo pelo E-nigma, onde o Jorge Candeias iniciou um projecto que, embora com algumas interrupções, tem tido um papel importante na divulgação da F&FC portuguesas.
Outros se seguirão...