sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Solenes exéquias

O coração do velho político tinha finalmente parado de bater. O elogio fúnebre a cargo de um correlegionário de longa data prosseguia vigoroso, indiferente aos bocejos disfarçados que começavam a surgir na enorme assistência que enchia a basílica.
... pai extremoso ... esposo dedicado ... entrega total à causa pública...
Os representantes das dezoito empresas de cujos conselhos de administração fazia parte moviam afirmativamente a cabeça, com expressão compungida.
A consciência do dever de acção política, como um imperativo categórico, sempre marcou o seu carácter desde os tempos longínquos da sua militância juvenil. A sua acção foi sempre pautada pelo superior interesse nacional.
Os membros da comissão política do partido confirmavam, solenes, as palavras proferidas.
... secretário de Estado ... por várias vezes ministro ... embaixador plenipotenciário ... representante do país em vários organismos internacionais...
Na zona mais próxima da urna, reservada à família, o filho do finado pensava:
- Que chato este tipo, nunca mais se cala! E o velho que resolveu ter o enfarte na cama da amante. Felizmente a gaja soube calar-se... Mas o desastre foi ter esticado o pernil sem deixar a ninguém o número da conta na Suiça... Raios o partam!

Publicado na Minguante nº 0

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