segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Paparazzi

Estava eu sentado na esplanada da Suiça, apreciando uma chávena de chocolate quente naquela manhã soalheira de Inverno, quando o tipo se aproximou e apontou a máquina. Interpuz o jornal entre mim e a objectiva e o empregado, que tinha observado tudo, aproximou-se rapidamente e correu com ele.
Meia hora mais tarde, um reflexo nas ruínas do convento do Carmo despertou-me a atenção. Peguei no telemóvel, fiz um breve telefonema para o meu contacto na Polícia Municipal e alguns minutos depois recebi uma chamada que confirmou as minhas suspeitas: tinham apanhado o fulano, confiscado a máquina equipada com uma potente teleobjectiva e destruído os negativos.
Passados alguns dias, uma fonte segura – é sempre bom conhecer gente nas telecomunicações – informou-me que um novo satélite geoestacionário de aquisição de imagem estava posicionado na vertical da cidade. Consegui obter do Sistema de Rastreio de Satélites os períodos de transmissão das suas antenas; a correlação entre essas transmissões e os períodos em que eu me encontrava no exterior, em trabalho ou em lazer, era positiva e extremamente elevada.
Eles não desistiam!
Ainda pensei em recorrer à Interpol, mas mudei de ideias. Os organismos oficiais têm limitações que só muito excepcionalmente podem ser ultrapassadas. E há também um certo gozo resultante da acção directa.
Uma doação generosa para o Observatório Astronómico Europeu deu-me a possibilidade de utilizar ums minutos do potente telescópio que têm nas Canárias. Aí, um astrónomo a quem estava a pagar uma bolsa pós-doc observou detalhadamente o satélite, e da posição das antenas durante os períodos de transmissão foi fácil localizar o prato que recebia as emissões. Encontrava-se no telhado de uma vivenda relativamente isolada, num pinhal na zona da Caparica.
Contactei uma empresa especializada, a “Complete Work, Inc”, formada por ex-membros dos M5, M6 e SAS, que tinham pedido a reforma antecipada para passarem a dedicar-se à actividade privada. Depois de verificarem que a vivenda estava desabitada, entraram e examinaram-na do sótão à cave. Encontraram um sistema de captação e gravação, recebendo o sinal da parabólica e gravando numa unidade de DVDs. Alguém teria de vir buscar aquele material gravado, e as marcas de rodados na areia mostravam isso. Saíram da vivenda, não deixando sinais visíveis da sua intrusão, e ficaram à espera.
Quase dois dias mais tarde, ao princípio da noite, um jipe com os faróis apagados aproximou-se da vivenda. O condutor, com óculos de visão nocturna, ficou ao volante, e outro homem saiu da viatura e entrou na casa.
O chefe do grupo, que rodeava a casa, deu a ordem via rádio, e as trajectórias de três rockets riscaram o céu, convergindo para o pequeno edifício. As explosões foram praticamente simultâneas. Ao mesmo tempo, um tiro de bazooka fazia explodir o jipe.
Vinte minutos depois chegavam os bombeiros. A casa ainda ardia violentamente, mas o jipe era um amontoado retorcido e carbonizado, com a borracha dos pneus e algum plástico ainda a arder. Os bombeiros iam aproximar-se da casa quando algumas cargas, lá colocadas pelos homens da Complete Work, explodiram no interior. Afastaram-se apressadamente e, temendo novas explosões, limitaram a sua acção a impedir a propagação do incêndio às árvores em volta. De manhã a casa era apenas um montão de destroços fumegantes.
Mas o trabalho ainda não estava completo. O conhecido de um conhecido forneceu-me o contacto de um consórcio indo-paquistanês, fabricante de mísseis, com um portfólio impressionante, fornecedor de todos os lados em todos os conflitos armados nos últimos anos. Com um departamento de I&D fabuloso – tinham recrutado dezenas de cientistas de países do leste europeu quando o império soviético colapsou – o seu último produto era um míssil de longo alcance, que aguardava uma ocasião apropriada para ser testado.
O lançamento foi um êxito. O “meu” satélite foi transformado em mil fragmentos que mais tarde ou mais cedo acabarão incinerados aos entrar na atmosfera.
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Quando o Euromilhões passou a Eurasiamilhões, dando acesso às incontáveis multidões de apostadores compulsivos da China e de todo o extremo oriente, ninguém fazia ideia da dimensão que o concurso iria atingir, nem das consequências desse alargamento. Em particular, a protecção da privacidade, depois de se ter ganho o primeiro prémio, pode tornar-se uma tarefa muito complicada!

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