domingo, 21 de abril de 2013

Improbabilidades de Tempo Chuvoso

O Jorge Candeias acaba de publicar mais um ebook com o título acima, com contos aparecidos no site Infinitamente Improvável, e não só.
Pode ser feito o download aqui, nos formatos EPUB e MOBI. Tenho lá duas historinhas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Antologia Fénix – Volume 1

O pessoal da Fénix Fanzine resolveu editar, em formato digital, uma Antologia Fénix de Ficção Científica e Fantasia com o tema Livros.
É uma colecção de mini contos, disponível para download aqui, em pdf, epub e mobi.
Tenho lá uma troika de micros…

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Reunião do Confusofin

O conselho de ministros das finanças da Confusolândia tinha começado havia meia hora, e os ministros iam-se revezando na descrição das medidas de austeridade que já tinham implementado nos respectivos países.

Dizia um: "Depois da trigésima quinta visita da troika já tínhamos aprovado uma taxa sobre o ar respirado dentro das casas. Agora, na sequência da septuagésima sétima avaliação, privatizámos o ar público. A empresa que ganhou a adjudicação fornece máscaras com contadores de ar a todos os cidadãos, e o ar respirado é pago mensalmente por débito em conta."

Um murmúrio respeitoso ouviu-se à volta da mesa. Alguns ministros tomavam notas. Era sempre bom ter ideias em carteira para quando se revelassem necessárias.

Outro ministro avançou: "No meu país já temos profissionais a pagar para trabalhar. Fizemos uma campanha com fundos comunitários para os convencer que, se não exercitarem os seus skills de forma regular, ficarão em desvantagem quando surgir a oportunidade de regressar ao mercado de trabalho. E a resposta à campanha foi muito positiva!"

Sorrisos de aprovação dos participantes da reunião.

Havia já vários anos que os telemóveis tinham de ser deixados à porta, para evitar fugas de informação. Um assessor entrou na sala e anunciou: "Uma chamada telefónica para o ministro de Parvual."

O ministro levantou-se e foi à sala do lado para atender. Do outro lado da linha reconheceu a voz bem timbrada do seu primeiro-ministro.

"Senhor primeiro-ministro, já descrevi a nossa medida de fixação de taxas de desemprego por profissões, para manter os salários baixos. Alguns acharam que a taxa para engenheiros era baixa, e podia subir vários pontos percentuais, porque assim como assim já não temos praticamente indústria. Mas de um modo geral a medida foi muito elogiada."

"Este telefonema é precisamente sobre isso" – disse o primeiro-ministro. "Estivemos a apurar os últimos números, e com o último aumento que fizemos à taxa para economistas, de 30 para 45 por cento, ficaste de fora. Estás sem emprego. Portanto faz as malas, apanha um voo de regresso – em classe económica, porque como ainda não foste exonerado, ainda tens que dar o exemplo – e até amanhã!"

O ex-ministro das finanças de Parvual ficou a olhar sem ver a parede em frente, e pousou lentamente o telefone no descanso. Por alguma razão, mesmo com enoooorme esforço, não conseguia ver o seu afastamento como um mero dano colateral das políticas acertadas que o governo a que tinha deixado de pertencer estava a tomar para o desejado regresso aos mercados...

E muito menos como uma oportunidade...

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O tempo escuro em que vivemos fez-me entrar em modo neo-realista. Quem não gostar pode passar ao lado...


O OUTRO, O PRÓXIMO

Manuel Joaquim, o encarregado da obra, observa, do 3º andar do prédio em construção, o estaleiro em baixo. Os homens executam os trabalhos que lhes foram distribuídos e até agora não houve desvios ao planeado.
 Um camião entra agora no estaleiro e Manuel Joaquim desce para receber a carga. São paletes de tijolos e caixas com placas isolantes para as paredes que vão começar a fazer. O camião vem equipado com uma pequena grua que levanta as paletes, uma a uma, e as deposita nos locais indicados pelo encarregado. Este assina a guia de transporte e o camião abandona o estaleiro.
É meio-dia e o trabalho é suspenso para almoçar. Os homens pegam nas marmitas que estiveram a aquecer na fogueira feita com tábuas, e dirigem-se para o telheiro, onde se instalam na mesa e bancos toscos. Um deles aparece com meia dúzia de cervejas que foi buscar ao café à esquina da rua, e começam a comer. A excepção é Ivan, o ucraniano, que se sentou num degrau um pouco mais longe, abre uma caixa donde tira uma sanduíche que vai comendo devagar, intercalando com goles de água de uma garrafa.
Manuel Joaquim suspira. É difícil o pessoal aceitar os estrangeiros, mas pelo menos tem conseguido evitar conflitos dentro da obra. E então o Raul, é lixado!
Dirige-se para o café onde habitualmente almoça, o dono já o conhece e a comida é gostosa, caseira, nada parecida com o “come-em-pé” na outra ponta da rua.
Quando regressa à obra, faltam poucos minutos para pegar no trabalho. Os portugueses estão ainda debaixo do telheiro, discutindo animadamente os jogos de futebol do domingo anterior, enquanto Ivan, sentado ainda no mesmo sítio, lê um livro.
O encarregado ouve Raul a resmungar:

terça-feira, 9 de abril de 2013

Agora que se tornou a discutir até à exaustão a matéria (adoro a utilização da palavra "matéria" no discurso mediático) do comentário televisivo, fui encontrar este texto escrito há cinco ou seis anos, inspirado numa rábula dos Gatos Fedorentos e nunca publicado.

O Professor

O Professor aparece à hora prevista. Traz como sempre as suas escolhas, criteriosamente escolhidas, e começa a lição.
Famílias inteiras sentam-se em redor dos televisores, porque o Professor fala sempre alguma coisa que interessa a cada um.
O desporto é uma das suas (inúmeras) especialidades: ténis para a classe média-alta, futebol para a população em geral (já foi capaz de comentar um jogo depois de declarar não o ter visto...), referências rápidas mas apreciativas ao campeonato nacional de caricas ou à final europeia de matraquilhos. Mas fala também de política, naturalmente, de cinema, teatro, renda de bilros e bordados de Castelo Branco para agradar às avozinhas, o preço do chicharro para enlevo das donas de casa, uma ou outra notícia necrológica (anunciar a morte de alguém que se encontra vivinho da costa convenhamos que não é para qualquer um)...
Não há assunto sobre o qual o Professor se reconheça incapaz de soltar umas palavras, muitas vezes enunciando três razões para as opiniões que emite: uma primeira, uma segunda e uma terceira, sublinhadas com o arregalar dos olhos, balouçar da cabeça e profusão de movimentos das mãos e dos braços.
E o Professor dá notas. Treze valores, quinze valores, onze valores... A palavra valores é sempre bem cheia, há que deixar no público a impressão indelével de que um professor ao classificar nunca se engana e nunca tem dúvidas. E o povo adora este frenesi classificativo, sobretudo quando o político na mó de baixo apanha uma má nota!
Depois é a vez dos livros, ou melhor, da enunciação dos títulos dos livros (falar em recensão ou crítica seria grosseiramente exagerado): uma imagem fugaz da capa, e cada livro é despachado a uma velocidade estonteante, com uma apreciação que pode assumir uma de quatro hipóteses. Primeira: “li e gostei”; segunda: “li e não gostei”; terceira: “não li mas gostei”; e finalmente a quarta : “não li e não gostei”. E imaginamos facilmente os responsáveis das FNACs e Bertrands a correr para as lojas encher as prateleiras, colando etiquetas amarelo fluorescente com os dizeres: “Recomendado pelo Professor”.

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O pior de tudo isto não é o que fala, porque palavras leva-as o vento. O pior é que muitos daqueles que fielmente seguem as homilias ficam com a ideia de que um Professor universitário é aquilo: uma pessoa que fala sobre tudo, o que sabe e o que não sabe, com igual ligeireza e desenvoltura. Em suma, um “fala-barato”...
O que é lamentável porque, apesar das inevitáveis excepções, se trata de uma classe profissional que não merece ficar ligada a esse estereótipo!

Declaração de interesse: fiz parte da classe profissional supramencionada.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

Em 2010, a editora Saída de Emergência publicou o Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas, onde tenho uma contribuição. Hoje, durante a spring cleaning do disco do computador, encontrei outro conto que escrevi nessa altura, mas que então não chegou a ver a luz, e resolvi arejá-lo aqui. Assim como assim, é 1º de Abril...



DESEJO INCONTROLÁVEL DE SER DONO DO MUNDO (DIDSDDM)

Personae gigantismus; Mundus dominium voluntas


Primeiro caso conhecido

Perde-se na noite dos tempos o registo do primeiro caso desta doença. Battleshout & Littleone (1953) propuseram a teoria de que o factor que faria despoletar a doença nas populações pré-históricas era o som de um fémur a partir qualquer outro objecto mais frágil; esta teoria foi liminarmente rejeitada por alguns participantes na conferência que também tinham visto o filme “2001 – Odisseia no Espaço”. Na sequência deste incidente, aqueles autores foram acusados de plágio e os seus nomes retirados do “Who’s Who in Medical Research”.
Assim os primeiros relatos da doença – ainda não reconhecida como tal – surgem no contexto das vidas dos grandes líderes políticos, militares e religiosos. As fases terminais da doença causam fascínio no público em geral, sobretudo pela grandiosidade das consequências. As múltiplas guerras que têm ocorrido ao longo da história humana, conquistas, colonizações, genocídios, são um mostruário dos efeitos desta doença que tem atacado os líderes das nações e povos envolvidos, e que só recentemente começou a ser reconhecida na comunidade médica. 


Sintomas

Os sintomas são caracterizados por uma certa variabilidade entre os doentes afectados, mas existe uma tipologia com alguma consistência:
a) Exibição obsessiva e ostensiva de manifestações de poder pessoal.
b) Discursos agressivos, sobretudo se efectuados perante multidões.
c) Gosto acentuado por símbolos e rituais (medalhas, condecorações, desfiles, tomadas de posse, etc).
d)  Forte tendência para atribuir a outros a culpa de tudo o que de mau acontece. Esses outros pertencem em geral a uma minoria étnica ou política.
e) Prazer evidente na humilhação e punição de subordinados.


História

Considerava-se inicialmente que só pessoas colocadas em cargos de topo nas organizações de que faziam parte podiam ser afectadas por esta doença. Isto tornava muito difícil a obtenção de dados objectivos, porque qualquer estudo médico pressupõe um acompanhamento de perto do doente a ser estudado, e a proximidade de doentes na fase terminal desta doença constitui um factor de risco pessoal para qualquer cientista que tente realizar este tipo de investigação.
Apesar disso, muitos estudos foram dedicados a doentes famosos como Gengis Kan, Átila, Staline, Hitler, Pol Pot, para só mencionar alguns, não tanto por observação directa dos pacientes, pelas razões já expostas, mas através de análises das consequências dos seus actos. A título de exemplo, uma pesquisa no Google para “Hitler” fornece mais de 30 milhões de referências e para “Stalin” mais de 11 milhões.
Todavia, o artigo seminal de Sharpeye & Deepthink (1979) veio demonstrar que o DIDSDDM está presente de forma endémica na população humana, e que toda a situação de poder – por reduzido que seja esse poder – dá lugar ao aparecimento de fases mais ou menos benignas de manifestação da doença.
São conhecidos os comportamentos arbitrários de chefes intermédios em qualquer cadeia hierárquica, que levam muitos observadores, por falta de enquadramento teórico, a confundi-los com o comportamento sádico, quando são na realidade sintomas – não identificados – característicos do DIDSDDM.
Mesmo em indivíduos desprovidos de qualquer poder – falamos aqui de subordinados no nível mais baixo de uma escala hierárquica – a doença encontra-se latente, o que é manifesto em frases do tipo “Ai se eu mandasse!...” emitidas com manifesto desejo de que essa situação se pudesse concretizar.


Tratamento

No passado recente, os efeitos sentidos da arbitrariedade de muitas chefias levou ao surgimento de uma escola de medicina radical que propunha simplesmente a eliminação dos doentes com DIDSDDM. Esta escola, inspirada por algumas correntes anarquistas, ficou conhecida pelo seu slogan mais polémico: “Chefe bom é chefe morto!”.
No entanto, o mainstream da prática médica é actualmente bem mais moderado. Numa fase inicial da evolução da doença, o paciente pode ser tratado retirando-lhe o poder que lhe foi conferido pela hierarquia. É prática aconselhada que esta acção seja súbita, porque a perda gradual do poder pode tornar os sintomas mais agressivos.
Este tratamento provoca em geral num prazo relativamente curto o desaparecimento dos sintomas. Pode ser necessário providenciar ao doente acompanhamento psicológico, pois a perda de poder – ainda que um poder minúsculo – pode ser acompanhada de efeitos secundários que se caracterizam por sintomas que são quase simétricos dos sintomas do DIDSDDM. Uma das razões pela qual muitos clínicos prescrevem apoio psicológico tem a ver com várias acções de má prática clínica levadas a tribunal por doentes que desenvolveram sintomas de privação do poder particularmente fortes.
Os sintomas agravam-se à medida que o paciente sobe os degraus da hierarquia. Na fase terminal da doença – quando ataca chefes políticos, religiosos ou militares – a única forma de cura corresponde ao confinamento do paciente a um espaço limitado, ou à sua eliminação física.
A primeira forma de tratamento não é 100% eficaz, porque não é irreversível: factores diversos podem contribuir para fazer cessar o confinamento do paciente, e nesse caso os sintomas reaparecerem de forma muito mais violenta. Quanto à eliminação física, por vezes tem acontecido de forma natural, outras tem sido provocada. O problema é que muitas vezes os agentes desta eliminação estão eles próprios afectados pelo DIDSDDM. Daí que seja uma opinião partilhada pelos especialistas que a erradicação total desta doença é um objectivo utópico.


Referências

Battleshout, A.B. & Littleone, Y.Z., 1953, An explanation for the appearance of the Mundus dominium voluntas desease, Actas do XXIII Congresso das Doenças Raras ou Infecciosas, vol. IV, pg. 365-372.
Sharpeye, I. & Deepthink, S., 1979, Must a chief be a sick person? – Some Personae gigantismus case studies, International Journal of Psychological and Sociological Pathologies and Chiefology Studies, 3-179.