terça-feira, 1 de maio de 2012

A quinta dos guarda-chuvas

Era uma das mais emblemáticas explorações agrícolas do Reino Unido.  Na Umbrella Farm eram produzidos mais de 95 por cento dos guarda-chuvas utilizados pelos profissionais da City, com tecido de impecável cor preta, cabos sólidos, varetas de aço da melhor qualidade.
Nos alegres anos 60, Mr. Jeff Rain tinha feito a maior alteração ao seu modelo de negócio desde que o seu trisavô plantara guarda-chuvas pela primeira vez. Mantendo a sua linha tradicional de guarda-chuvas para executivos, comprou um terreno adjacente à quinta e iniciou a produção de sombrinhas, bem coloridas, psicadélicas, que mal chegavam às lojas de Carnaby Street eram rapidamente compradas pelos milhares de turistas que exameavam Londres.
Naquela manhã, Mister Rain percorria, como fazia de vez em quando, os diversos talhões onde se podiam ver os guarda-chuvas nas sucessivas fases de desenvolvimento.
Na primeira parcela de terreno, um grupo de trabalhadores, imigrantes vietnamitas, as mãos habituadas à milenar actividade da plantação do arroz, espetavam no terreno, a intervalos regulares, as varetas que viriam a dar lugar, em mais ou menos três meses, a um lote de guarda-chuvas adultos.
Na parcela seguinte já havia guarda-chuvas desenvolvidos, ainda pequenos. Dois trabalhadores percorriam o talhão abrindo e fechando os guarda-chuvas, certificando-se que todas as varetas estavam perfeitas. Irregularidades, ainda que pequenas, não eram toleradas. Qualquer guarda-chuva nessas condições era imediatamente arrancado e seguia para reciclagem.
Quando entrou no talhão seguinte, Mister Rain recusou-se a acreditar no que via. O que devia ser uma parcela com guarda-chuvas quase maduros, a poucos dias da colheita, era uma quantidade de cúpulas pretas salpicadas de cores vivas, por vezes círculos, outras vezes manchas irregulares, um pesadelo que até fazia doer os olhos de Mr. Rain.
Jeff Rain pegou no telemóvel e marcou o número do seu encarregado. “Manolo, vem ter comigo ao talhão 17.”
Cerca de um minuto mais tarde, Manolo Diaz, o encarregado, estava a chegar.
“Manolo, o que vem a ser isto?”
“Uma experiência, Mr. Rain” disse Manolo num inglês com sotaque espanhol que os quinze anos que já passara no Reino Unido não tinham atenuado. “Recolhi esporos de uma parcela de sombrinhas e espalhei neste talhão, para ver o que aconteceria.”
“Manolo, isto é uma casa séria. O que é que está escrito à entrada da quinta? Purveyors by Appointment to His Majesty since 1889. Somos uma firma de respeito. Guarda-chuvas são guarda-chuvas e sombrinhas são sombrinhas...”
O telemóvel tocou os primeiros acordes de Land of Hope and Glory. Atendeu. Ouviu durante algum tempo e disse “OK, já vou ter à portaria.”
Virou-se para Manolo e disse-lhe: Vou ter que acompanhar um visitante numa volta pela quinta. Continuamos esta conversa mais tarde. Podes ir.”
Na portaria, Jeff encontrou Monsieur Jean Lapluie, acompanhado de um secretário. Lapluie era o distribuidor dos produtos da Umbrella Farm para a Europa. A sua empresa, Parapluie Inc., estava a passar por um processo de internacionalização que a levaria a alargar a sua actividade a todo o mundo. Era a primeira vez que visitava a quinta de Jeff Rain, pelo que este estava muito empenhado em causar uma boa impressão.
Vestindo um fato cinza, de corte impecável, gravata e lencinho de cor amarela, usava um bigode meticulosamente aparado e e falava um inglês muito aceitável para um habitante do hexágono. Após algumas palavras de circunstância, manifestou interesse em iniciar imediatamente a visita.
Começaram pelos guarda-chuvas, o produto da quinta que enchia de orgulho Jeff Rain. Jean Lapluie fazia muitas perguntas a que Jeff respondia, perguntas e respostas cuidadosamente registadas numa tablet pelo secretário de Parapluie. Até que chegaram ao talhão objecto da experiência de Manolo.
Oh, mon Dieu! Mais c'est ça, c'est ça! O que é isto, Mr. Rain?”
“Bem... isto é... uma experiência...” - Jeff Rain não sabia o que dizer...
“Isto é o que eu tenho andado à procura para o lançamento do ramo internacional da Parapluie Inc.! Estas cores a nascer do preto, isto é arte, mais, isto é filosofia pura! Vamos inundar o mundo com este produto! Isto vai tornar a sua quinta conhecida em todo o lado. Partout! Partout!
Quando ficava entusiasmado, Lapluie miturava o francês e o inglês. Disse para o secretário: “Prepare uma minuta de contrato para um fornecimento inicial de … “, pensou um pouco, “quinhentos, não, seiscentos destes chapéus. Já estou a ver as lojas em todo o mundo a abrir em simultâneo com estes chapéus às cores. Temos que arranjar um nome para eles, mas isso temos tempo...”

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Ao fim da tarde, quando Manolo foi chamado ao gabinete de Jeff Rain, em vez da forte repreensão de que estava à espera, o seu patrão começou por dizer que tinha uma encomenda de seiscentos daqueles chapéus pintalgados para satisfazer, e que provavelmente seria necessário alocar mais parcelas para a sua produção...”
Manolo saiu do gabinete do patrão totalmente confuso. “Não consigo perceber estes ingleses, são tão estranhos”, pensou. “Parecia que Mr. Rain não tinha gostado nada da minha experiência e afinal...”
Encolheu os ombros, viu as horas e dirigiu-se para o carro, que já tinha visto melhores dias, para regressar a casa. A mulher devia estar a acabar o jantar...

3 comentários:

luisa disse...

Esqueceu-se de referir que a mulher do Manolo, sua musa inspiradora, era a Maria Paraguas.

João Ventura disse...

Olá Luísa
Mas a Maria já é de outra história...
:)

Pé na estrada disse...

ora e pergunto, aqui para a NZ, pois chove que se farta e até neva, se esses guarda-chuvas fantásticos tb poderão vir até cá!! beijos