sábado, 21 de fevereiro de 2009

Transparência

O candidato a deputado tinha uma vida exemplar. Marido fiel, pai extremoso, actividade profissional acima de qualquer crítica...
“Mas esse é o problema!”, dizia o director de campanha.
“O problema é eu ter uma vida irrepreensível?” perguntou o candidato, incrédulo.
“Claro, os eleitores gostam de votar em quem sentem que é como eles. Quem é que nunca deu uma facadinha no matrimónio? Ou passou um sinal vermelho? Ou enganou o fisco numa transacção? Portanto, recapitulando: temos que encontrar uma pequena falha que, numa atitude de transparência, você próprio dirá às pessoas que cometeu.”
“Nunca fumou erva?”
“Não...”
“Mesmo sem engolir o fumo...” sugeria, esperançado, o director de campanha.
“Já lhe disse que não!”
“Uma multa por excesso de velocidade?”
“Nunca.”
“Já bateu num dos seus filhos?”
“Nem uma vez, sou contra os castigos corporais.”
O director de campanha suspirou. Arrumou os papeis, mas antes de se retirar ainda disse ao candidato:
“Pense nisso. Amanhã é o último discurso da campanha. Os seus dois adversários já tornaram conhecidas as suas pequenas fraquezas: um deles com aquela questão da pensão de alimentos do divórcio litigioso, o outro com a participação que teve na falência do Banco Agrícola. Se você não arranja alguma coisa para mostrar, as pessoas vão desconfiar e pensar o que é que estará a esconder... E olhe que as últimas sondagens dão-vos praticamente empatados...”

O candidato ficou a pensar, rememorando a sua vida passada, na tentativa de encontrar alguma coisa que pudesse ser usada na campanha. Foi recuando no tempo, até que... sim, aquilo talvez pudesse servir...

No dia seguinte, no comício de encerramento da campanha, o candidato discursava sobre um mar de gente, balões, bonés, faixas, aplausos:
“(...) e vou confessar-vos uma coisa: há muitos anos, era eu criança, o meu pai tinha deixado umas moedas sobre a mesa de cabeceira, e eu tirei uma moeda e fui comprar caramelos. Anos mais tarde, disse-lhe o que tinha feito e ele perdoou-me... também porque eu tinha dado metade dos caramelos à minha irmã mais nova!”

7 comentários:

Moura Aveirense disse...

Já não há candidatos assim! LOL

Boa pausa de Carnaval, Moura Aveirense

João Ventura disse...

Ora viva!
E este Carnaval, sempre mascarada de moura?
:-)
Bjns

Moura Aveirense disse...

:) Nãaaaaaa... não aprecio muito o Carnaval...apenas sabe bem a "pausa"!

Até breve, Moura Aveirense

A OUTRA disse...

Onde haverá um candidato assim para as próximas eleições?
Aqui nenhum tem pecados! AhAhAh...
Ainda vamos ficar sem Governo!
Maria

João Ventura disse...

Olá Maria

Parece que Diógenes andava com uma lanterna acesa de dia à procura...

Volta sempre.

Rita Melo disse...

Será que o transparente também tem cor? Pergunta o crédulo. Ou poder-se-à dizer que nenhuma cor escapa à selectividade da memória? Questiona o seu irmão céptico.

Reflexões num Outono desencontrado no seu tempo

João Ventura disse...

Olá Rita
Bem vinda a esta casa!

E a propósito, o Outono já foi, agora é Primavera (embora seja forçado a admitir que não parece lá muito... :-P