RJIES - The shape of things to come...
Passou-se tudo muito depressa, ou talvez eu andasse meio distraído, a pensar nos dois anos que me faltam para a reforma.
Primeiro foi a paranoia das publicações. Claro que sempre tinha sido o aspecto mais importante na avaliação curricular, mas quando se começou a classificá-las com base nos factores de impacto das revistas, pareceu-me que se começava a exagerar.
E quando numa reunião comentei que os
papers deviam contar 1/n, sendo n o número de autores, isso não me tornou muito popular, em especial perante os meus colegas que têm artigos em que a lista dos autores é maior do que o título do artigo.
Depois veio aquele novo regulamento que contabilizava tudo. Eu disse tudo? É que é mesmo tudo! Cada departamento tem que ser autosuficiente, e portanto a faculdade cobra-lhe a electricidade, o gás, a água, os telefones, os salários, o espaço ocupado por gabinetes e laboratórios a um tanto por metro quadrado, a limpeza, a segurança, etecetera, etecetera. Receitas? As propinas dos alunos, os
overheads dos projectos, um tanto atribuído a cada aluno ensinado, outro tanto a cada publicação, e por aí fora.
Na 6ª feira ao almoço, enquanto os neoliberais entoavam loas a este original esquema de gestão, lembrei-me de comentar “Por este andar, ainda vão contabilizar o ar que respiramos dentro do campus da faculdade”.
Levei uma canelada do António, que estava sentado à minha frente, e quando olhei para o presidente do departamento vi que sorria de uma forma que me deixou um pouco inquieto...
No regresso do almoço, o António – conhecemo-nos há muitos anos, fomos colegas de curso – aproximou-se e disse-me em voz baixa, “És uma ganda besta, então agora dás-lhes ideias?”
Hoje, segunda feira, à entrada da faculdade, a segurança manda-me parar e sair do carro. É impressão minha ou até agora os seguranças não andavam armados? Entregam-me uma máscara, que me ajudam a colocar, que tem um contador que mede o ar respirado. Ainda tento protestar mas não tenho escolha, a alternativa é não entrar.
Quando me aproximo do edifício do departamento, um grupo de 4 colegas vem ter comigo, todos eles de máscara, naturalmente. Um deles é o António, que me diz “Precisamos que venhas aqui ao laboratório para veres uma coisa” e no caminho vai fazendo a conversa, “Estivemos a fazer umas contas, e a tua contribuição para o departamento é muito deficitária, publicas pouco, não tens cargos de gestão”, “Já tive!”, interrompo eu, “OK, mas esses não contam, agora não tens, os alunos não escolhem as tuas cadeiras”, interrompo novamente, “Se vocês não lhes pagassem para se inscreverem nas vossas talvez continuassem a escolher as minhas”, mas ele continua como se não me ouvisse, “e seria melhor para todos se pedisses já a reforma, porque assim o teu salário deixa de estar a cargo do departamento, e tens que decidir rapidamente, o Raul até já tem aqui o requerimento pronto, é só assinares...”, tenho que pensar depressa, eles são 4, conseguirão dominar-me facilmente, e o caminho por onde me conduzem leva à nova câmara de vácuo, destinada a simular as condições existentes no espaço exterior...