terça-feira, 5 de maio de 2020

O GATO DUPLICADO


Há alguns dias, a Eugénia Oliveira chamou-me a atenção para este post no blogue de um amante de gatos, pensando que tinha potencial como início para uma história. E tinha...

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E assim, com agradecimentos ao autor Stanislav Zak, cujo texto utilizei no início, saiu

O GATO DUPLICADO

No mês passado, o meu gato desapareceu. Há uma semana encontrei-o e trouxe-o para casa, Hoje o meu gato regressou. Agora tenho dois gatos idênticos.

Isto intrigou-me. Primeiro, o desaparecimento. O Blackie é muito caseiro, dá a sua voltinha pelo jardim, mas nunca tentou saltar a cerca.

De súbito, lembrei-me de, há cerca de dois meses, estar a trabalhar no escritório, junto à janela, ter olhado para fora e ver o meu vizinho, Erwin Schrodinger, a brincar com o Blackie: tinha passado por cima da cerca um pequeno peluche preso por um fio, e movia-o de um lado para o outro para atrair a atenção do gato. Considerei aquilo uma excentricidade de um físico, e desliguei do assunto.

Hoje li o artigo de Schrodinger na Naturwissenschaften e de repente tudo se me tornou evidente. Ele descreve uma experiência conceptual com um gato numa caixa, não se sabendo se o gato está vivo ou morto até abrir a caixa. “Conceptual” uma ova! O tipo fez mesmo a experiência e usou o Blackie para tentar provar uma teoria. Podia tê-lo matado. Não lhe vou perdoar isso!

Comecei a analisar em profundidade o artigo. Para além de um erro grosseiro na construção da matriz hamiltoneana, que não percebo como escapou aos revisores, considerou só dois termos na série de Felinowsky que, truncada desta forma, tinha necessariamente que o levar a conclusões erróneas. Vou continuar a análise.

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Ao fim de um mês de trabalho, parece-me ter chegado a conclusões sólidas. A principal é que o acto de abrir a caixa faz com que o gato que está dentro emita um gato e um anti-gato, idênticos em tudo, excepto no spin dos pêlos do bigode. O anti-gato (feito de anti-matéria, obviamente) fica sujeito a uma força repulsora que o deslocaliza, segundo os meus cálculos, para lá da órbita de Plutão. Por outro lado, o gato emitido fica numa vizinhança delta épsilon da caixa, que eu estimo entre 1 e 10 metros. Com este afastamento entre gato e anti-gato, fica excluída a aniquilação mútua dos gatos gerados na experiência, o que seria expectável se a distância fosse menor.
O gato original sobrevive incólume.

Não sei se o gato que encontrei na rua era o meu gato original, ou se era o que foi gerado na experiência. Uma questão pouco relevante, porque tenho de tratar dos dois.

Já verifiquei minuciosamente todos os meus cálculos, e não encontrei falhas. Vou preparar um artigo para submeter à Naturwissenschaften, apresentando a minha teoria, refutando as conclusões de Shrodinger e denunciando a sua experiência conceptual como uma fraude. A sua carreira científica já era!

E depois de o ter arrasado como cientista, vou pôr-lhe um processo em tribunal (que estou seguro de ganhar), requerendo que seja condenado a pagar uma pensão de alimentos para o segundo gato que agora tenho em casa!