Sombras
Na praça, debaixo de um sol forte, a multidão agitava-se num movimento desordenado. Poderiam ter comparecido na espectativa de algum acontecimento, ou desde sempre terem ali estado. De repente, acima do ruído de fundo, ouviu-se um grito: “Este cidadão não tem sombra!”Um círculo abriu-se rapidamente em torno do visado que, incapaz de argumentar, ali ficou exposto ao escrutínio geral.
“É uma abominação!”, continuou a gritar o que tinha dado o alarme. “Não podemos tolerar entre nós alguém que não tem sombra!”
Da multidão saiu um rugido surdo, que se foi ampliando até se tornar em algo inteligível: “À morte! À morte!”
O círculo fechou-se sobre o homem sem sombra e quando a multidão dispersou de novo ficou um corpo no chão, imóvel, sangrando de múltiplas feridas.
O homem que tinha dado o alarme passeava pela praça, gozando o seu momento de fama. Até que olhou para o chão e ficou horrorizado. Tinha duas sombras! Tentou infiltrar-se na multidão mas foi tarde demais. Já outro cidadão, e depois outro, tinham visto…