quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Era uma espada

Era uma espada.
E era a mão que empunhava a espada
e era o braço que movia a mão
e era o corpo que comandava o braço
e era o coração que impulsionava o corpo.

Uma flecha perdida encontrou o coração
que parou o corpo
que largou o braço
que soltou a mão
que abandonou a espada

que, livre da mão que a segurava,
passou a ser apenas um entre muitos objectos
enferrujando no campo de batalha.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

5 palavras - 5

Em resposta a um desafio do José Mário Silva no Bibliotecário de Babel, aqui ficam cinco "Tragédias em cinco palavras", que também coloquei lá na caixa de comentários. Em tempo de crise, poupar (também) nas palavras é uma virtude...

Nunca pensei que fosse fundo!

Acho que não está carregada…

A ponte é totalmente segura.

Distingo perfeitamente os cogumelos venenosos!

Isso é comigo, oh palhaço?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Dom Fuas está doente


Dom Fuas de Calatrava
jaz em seu leito de enfermo.
E o povo, que penava,
entre dentes murmurava
"Nunca mais morre o estafermo!"

À volta se afadigavam
fidalgos e serviçais,
aios, pagens, camareiros,
e um grupo de carpideiras
soltando profundos ais.

"Está em estado estacionário",
anunciou o intendente.
"Trazei lá o escapulário,
mais o padre e o breviário,
pra deixar de estar doente."

Aos pés da cama conversam
três físicos, dois barbeiros,
um teólogo, um astrólogo,
o homem das sanguessugas
e um par de curandeiros.

Há um que sugere sangrá-lo.
Outro diz que é dos humores.
Este que foi mau olhado.
Mas não chegam a acordo
nesta roda de doutores.

E Dom Fuas, num rompante,
soerguendo-se na cama
diz com voz tonitruante:
"Mandai embora os doutores,
ficarei bom num instante!"

Escrito há uns meses para ser uma Cantiga de Escárnio e Mal-Dizer... o que talvez um dia venha a ser.